Embora não seja algo habitual para a maioria das pessoas, há quem se interrogue sobre o que justifica a preservação da própria vida, passiva ou ativamente. Mais frequentemente perguntas dessa ordem não são formalmente articuladas, mas o tema (tão intricado) pode ser pano de fundo do viver.
Tratar da morte é quase sempre aludir ou discorrer ao ou sobre o inescrutável, vestido pelas mais diversas fantasias ou crenças para que não se caia em silêncio radical. Não se trata somente de aceitar a ideia de um fim, mas de tentar compreendê-lo, apreciá-lo. A tarefa pode viabilizar a fuga do sofrimento ou encarnar a angústia quanto ao vazio e a luta por mitigá-la. Talvez mais. Em alguma instância, pode cumprir a função de esvaziar de sentido e de importância o que se pretende, o que se possui, o que se sente no espaço terreno da vida que se tem. Todavia, do outro lado dessa moeda, reluz a questão da importância da vida. O que há nela para que seja preciosa? Há vidas ou eventos que correspondam a justificativas mais legítimas do que outras?
A maior parte da vida de cada um e de todas as vidas é tecida por acontecimentos corriqueiros e, numa análise mais rigorosa, verdadeiramente imponderáveis. Há poucos atributos de grandiosidade explícita ou mesmo de consistência duradoura. O comezinho parece ser o fio do viver. Isso carrega o enorme desafio quanto ao entendimento da substancialidade do que se dá, no passado, presente ou futuro, e sua relação com o valor da vida, com a necessidade tão antiga e primária de conservá-la e tomá-la como o bem maior. Nesse campo instalam-se mundos inteiros, muito frequentados pelos filósofos ao longo da História. Há engrenagens invisíveis, indestrutíveis e capazes de triturar a razão e de fazer sobreviver o ser humano.
O romancista espanhol Fernando Aramburu (San Sebastian, 1959) escreveu “Quando os Pássaros Voltarem”, publicado em 2021, que tem início com a afirmação do protagonista de que cometerá suicídio ao fim de um ano. Não faz nenhuma declaração sobre motivos para o “término voluntário da vida”. Ao invés disso, passa a contar o que viveu desde a infância. São capítulos curtos, sempre muito vivos e que não seguem ordem cronológica. Ele é um professor de filosofia e, interessantemente, não faz digressões teóricas. Descreve sua história de modo coloquial e aparentemente sem pretensões a filosofar. Todavia, ao relatar fatos e sentimentos comuns a grande parte das pessoas e, no entanto, sempre particulares, faz uma extensa e muito original reflexão sobre os sentidos e a importância que se pode dar à vida. O que há de especial nele é a capacidade de reconhecimento da riqueza disfarçada no dia-a-dia que não daria um romance num primeiro olhar, que talvez não atraísse a escuta nem dos amigos mais fieis e resilientes à potencial chatice de relatos que não prometem encantos e excitações, o que de algum modo é esperado nas narrativas que mereçam atenção. É brilhante a demonstração da existência da extraordinariedade no conjunto singular das vivências de cada um.
Aramburu consegue fazer filosofia de verdade através da boa literatura. Nada de citações eruditas e nem linguajar pretensioso. Uma festa de sabores percebidos na grande sinfonia que promovem durante a leitura.
Título da Obra: QUANDO OS PÁSSAROS VOLTAREM
Autor: FERNANDO ARAMBURU
Tradução: PAULINA WACHT E ARI ROITMAN
Editora: INTRÍNSECA

Bem intrigante o convite que vc nos faz com esses comentários. Parece que o autor vai nos deliciar com o olhar para vida nos detalhes do seu percurso. Convite aceito. Obrigada
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Muito obrigado pelo comentário, Teresa
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