OS OBJETOS

Objetos inanimados podem ter significados vitais para os humanos. Bolas de vidro que sirvam para decoração ou peso de papeis, cinzeiros, um pano bordado, sapatos, joias, e quaisquer outras coisas. Seres vivos, incluindo aqueles aos quais se atribui alma, circunstancialmente, ocupam lugares parecidos com objetos inanimados, mesmo que alguns se rebelem contra tal designação. Muitas são as funções que todos podem ter universo afetivo de alguém e elas podem ter escassas conexões com suas propriedades anímicas.

Os objetos costumam fazer parte das vidas como elementos mutantes. Não têm necessariamente faculdades intrínsecas relacionadas às mudanças que os acometem. Transformam-se suas funções e significados para os que são seus sujeitos. Uma espécie de gramática. Alguns estão presentes pelo sempre da existência de uma pessoa, mas isto é relativamente raro. Geralmente eles vêm e vão, são prezados e depois abandonados, enjeitados. Também podem ser perdidos. Quando alguém deixa de encarnar os afetos de um outro, especialmente o amor, tende a passar para o campo dos objetos inanimados, mesmo que o que tenha sido perdido não seja propriamente sua alma, mas sim o lugar que ocupava na alma desse outro. O conto “Os Objetos” de Lygia Fagundes Telles (São Paulo, 1918-2022) trata desse tema.

Através do diálogo entre um casal, parecendo ser sobre banalidades, a autora vai trazendo à cena a condição instabilidade dos seres humanos quanto às relações com seus objetos. Sejam estes coisas ou gente (antes e depois de ser “coisificada”). Algo que faz parte da intranquilidade do mundo. Implica impermanência dos vínculos. Sobre estas percepções só se pode falar vagamente. O que acontece nos meandros das relações interpessoais, da ordem da complexidade, ilude o olhar perscrutador, denuncia sua impotência. Mistérios das almas.

O conto faz deslizar a observação do leitor da ligação de um indivíduo com uma coisa para as interações dos indivíduos. Um homem vislumbra a transformação daquilo que ele representa para uma mulher. Vê-se transmutado da condição de ser, a quem são atribuídos valores, alvo de sentimentos, talvez de desejo, para a indiferença. Algo bastante distinto de ódio ou hostilidade. Passível de ser descartado sem maiores danos para quem faz o descarte.

Um texto curto que desconcerta lançando mão da simplicidade, daquilo que é “o de sempre”.

Ilustração: foto de quadro de Pablo Picasso (Espanha, 1881 – França, 1973)

Título da Obra: OS OBJETOS (contido no livro “ANTES DO BAILE VERDE”)

Autora: LYGIA FAGUNDES TELLES

Editora: COMANHIA DAS LETRAS  

2 comentários

  1. Luís, tenho achado ótimos seus comentários sobre os contos da Lygia. No mínimo, têm me feito tirar o livro da estante e reler vários deles. Beijos e obrigada.

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