SOU MAIS QUE A MINHA DOENÇA

Cada pessoa faz um percurso único durante o tempo em que vive. Mesmo que a maioria de nós esteja destinada ao anonimato todos somos importantes em nossas singularidades. Importância que existe dentro e fora dos limites de nossas identidades, invisível (o que não quer dizer inexistente) ou claramente perceptível. Conosco, perto ou longe, há uma infinidade de outros indivíduos e podemos participar de suas vidas de modos diversos. Eles também entram e saem de nós, sabendo ou não, contribuindo para a construção de nossa trajetória. Há aqueles que se importam com algum outro, com muitos outros ou com uma multidão desconhecida de outros, que juntos constituem a imensidão do não-eu. Entre esses há os que são propensos a desenvolver sensibilidade para notar dificuldades que podem afetar a si mesmos, a cada outro ou eventualmente às coletividades. E há aqueles que têm a capacidade para o ato solidário.

Vale também lembrar que certas pessoas exalam e absorvem coloridos, brilhos e perfumes com uma intensidade maior, distinta e que transformam sua passagem pelo mundo numa realidade permeada por um tipo especial de magia. Sem dependência de nenhum misticismo. Não ficam isentas de dor, sofrimento ou tragédia, mas sabem valer-se do muito de bom que não é destruído por vicissitudes deste naipe.

Em “Sou Mais Que A Minha Doença” de Cristina Oliveira acompanhamos a história da autora, narrada com suavidade e coragem. Sua relação com a família, com amigos, com o País em vários momentos e o seu papel no mundo tornam-se algo muito vivo. Acima do evoluir de posições ideológicas, políticas, de crenças e suas navegações pela vida, predomina o espírito da mulher capaz de se vincular afetivamente (resistindo bravamente às intempéries que a ameaçaram neste sentido) e de preservar o senso de justiça na irmanação com outros seres humanos. Para isso é preciso ser forte.

O título alude a uma maneira de se estar no mundo. Todos nós, muito provavelmente, viveremos com doenças em algum período de nossas existências, algumas serão crônicas. Ter uma doença mental é um grande desafio. A carga de estigma, muito pela falta de informação adequada e talvez mais ainda pelos medos gigantescos que cercam a ideia de perder a autonomia e a credibilidade do discurso, pode ser mais deletéria do que a doença em si. Tanto a estigmatização que parte de terceiros quanto a que existe internamente na própria pessoa acometida. Qualquer que seja o diagnóstico médico que venha a nos caber ele nunca poderá dizer quem somos. Pode fazer parte de nós, mas não deve ser ampliado e confundido com nossa identidade global. Os espaços que habitamos, em parte criados por nós, são muito, mas muito, maiores do que uma doença que nos afete, seja ela mental ou não. Perceber isto é fundamental. É uma forma de libertação. É um jeito de respeitar e valorizar a amplidão da vida. Cristina, como lemos no texto, tem transtorno bipolar do humor. O transtorno bipolar é uma doença mental crônica que pode alterar patologicamente (em certas fases de modo bastante acentuado) toda a matização do que sentimos e vivemos. Caracteristicamente nele podem ocorrer períodos de depressão (um conjunto de sintomas, incluindo tristeza, medos, baixa energia física e mental, sensação de incapacidade, dificuldade para sentir prazer, lentificação do funcionamento global, alterações do sono e apetite, entre outros, que implicam muito sofrimento) e também mania ou hipomania (outro grupo de sintomas, mais ou menos o oposto da depressão, com muita aceleração do funcionamento psíquico e que também acarreta ônus importante e pode ser extremamente aflitivo). Não são puramente reações psicológicas ao que nos acontece. É uma alteração do nosso corpo, de mecanismos fisiopatológicos cerebrais, que aparece através de mudanças em nosso comportamento, no modo de percebermos a nós mesmos e ao mundo fora de nós. Tem tratamento, que exige conscientização e muita disciplina. Bem tratadas as pessoas que têm transtorno bipolar podem viver normalmente. E isto corresponde a uma gama quase infinita de possibilidades. Sem definições precisas. Como acontece com quem não tem nenhuma doença mental.

A autora, de quem tenho a felicidade de ser amigo, é alguém que sempre mirou o bem-estar que fosse extensivo a seus próximos e também aos não tão próximos. Lutou para que isso fosse além de uma empatia ou atitude teórica. Vem atuando em diferentes áreas que mesclam profissão e modo de ser e faz bom uso de sua inteligência, conhecimento e sensatez. Ajuda muita gente. Atualmente faz um trabalho de apoio a crianças com problemas de saúde mental (que inclui adultos interessados) através do “Estórias Diferentes”, que pode ser acessado pelo site: www.estoriasdiferentes.com.br.

Parabéns (por tudo) Cristina!

Título da Obra: SOU MAIS QUE MINHA DOENÇA

Autora: CRISTINA OLIVEIRA

Editora: VERMELHO MARINHO

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2 comentários

  1. Não conheço a obra mas, fruto do comentário de Luis, quero conhecer. Algumas palavras-chave me chamaram a atenção “resistindo bravamente” “predomina o espírito da mulher capaz de se vincular afetivamente” afetos e resistências se organizam no cotidiano, no fluxo da vida que não que se recusa a ser encarcerada. Ponto já apontado na feliz escolha para o titulo da obra “sou mais que minha doença”. Alguém que não quer ser “tagueado” “formatado” “classificado”.

    Fiquei instigada a ler

    Curtido por 1 pessoa

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