JAZZ

O Jazz, expressão musical que surgiu no sul dos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX, tem gerado polêmica quanto ao que o define. Todavia, é indiscutível que foi criado por afrodescendentes e quase todos concordam que se caracteriza pelo improviso, pela variação rítmica e pluralidade na interpretação de temas melódicos, além da interatividade entre os músicos que executam uma peça. Talvez possa ser ouvido e pensado como um modo de sentir o mundo e traduzir emoções. Há muita dor, mas também alegria e sensualidade em suas raízes. Frequentemente foi um tipo de discurso dos negros libertados da escravidão, que sofriam profundamente na tentativa de sobreviver. É elemento importante de uma forma de cultura.

O romance “Jazz” de Toni Morrison (EUA, 1931-2019) é construído através de personagens que, de algum modo, têm relação com o assassinato de uma jovem por seu amante em meados dos anos 1920. Apesar desse ato ser uma referência forte, ele o é na medida que implica dimensões trágicas que vão muito além do crime em si.

Através de diferentes vozes ou fluxos de consciência dos personagens a autora mira as condições em que viviam pessoas negras vindas das regiões rurais dos EUA para as cidades grandes, o que em muito era determinado pela necessidade de encontrar trabalho que não fosse sucedâneo da escravidão, mas também pela esperança e encantamento com a possibilidade de um novo lugar no tecido social. As pessoas negras deparavam-se com muita violência na rejeição de sua presença como indivíduos livres num mundo que parecia pertencer somente aos brancos. No final do século XIX foram formalizadas leis de segregação racial. Não era somente uma questão de se tolerar os preconceitos. Tem grande importância na obra de Morrison a condição da mulher nessa sociedade, em especial a mulher negra. O improviso suscitado pela necessidade de lidar com situações novas e com a hostilidade do meio fazia (e faz) parte da luta pela vida. Prazer e entusiasmo em viver também tinham que ser criados nos intervalos dos amargos tons da realidade cotidiana. Apesar do livro não abordar diretamente o jazz como modalidade musical, está imbuído espírito que o produziu e sustentou. O texto é jazzístico no ritmo narrativo e nas variações interpretativas. Há bastante profundidade e erudição formal. E autenticidade carnal. Distancia-se das formas estereotipadas e simplistas de se tentar combater racismo e injustiças de gênero. É muito maior. As intensidades do que experimentam os protagonistas são vertidas em acordes literários e é preciso disposição para compreender o que contêm. Morrison, como em outros livros, aponta para complexidade de entendimento e manejo impostas aos que verdadeiramente desejam ou são capazes de enfrentar flagelos humanos como estes. Este livro foi publicado um pouco antes da escritora receber o Prêmio Nobel de Literatura e evidencia bem sua sofisticação e nobreza.

Título da Obra JAZZ

Autora: TONI MORRISON

Tradutor: JOSÉ RUBENS SIQUEIRA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

  

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