ENTRE IRMÃOS

A ideia de fraternidade lembra boas possibilidades de relacionamento entre pessoas. Porém, isto é algo difícil de se realizar. Talvez um ideal e um processo infindável de conquista. Implica determinação. Demanda o cultivo de compreensão, tolerância e respeito para com diversidades em várias dimensões e, especialmente, solidariedade. Nada simples. Talvez pensemos mais na fraternidade justamente ao percebermos que ela é tão faltosa na vida cotidiana.

“Entre Irmãos” de Elizabeth Strout (Portland, EUA, 1956) faz com que se questione a natureza mais autêntica dos impasses que aparecem quando pessoas convivem e aproximam-se. O livro toca no tema tanto pela vertente mais palpável dos vínculos interpessoais, com relevo para o que se dá nos núcleos familiares, como na consideração dos mecanismos socioculturais. A autora recusa os estereótipos e valoriza faces menos óbvias das adversidades que impactam as relações. A estória se inicia com a reunião de três irmãos, dois homens e uma mulher, no momento em que o filho dela tem problemas legais por jogar uma cabeça de porco dentro da mesquita da comunidade somali na pequena cidade em que vivem, no Maine, EUA. Ele é um adolescente saído de infância árida, inseguro e com pouca percepção do significado do ato que praticou. A mãe e os tios têm um passado trágico, que arrastam ao longo da vida. A população local, caracteristicamente fechada e conservadora tenta acomodar-se à presença de imigrantes somalis. O choque cultural é imenso e envolve desde hábitos alimentares e modo de vestir até questões mais duras como a clitorectomia de meninas de 5 anos, obrigatória na tradição dos somalis. As diferenças de cor da pele incomodam, sem que isto seja articulado e devidamente manejado pelos personagens como racismo. Strout, sutilmente, permite pensar que o multiculturalismo talvez seja somente um artifício teórico e o racismo um defeito automático na afirmação mais primitiva de identidades de gente de todas as cores, raças e etnias. Todavia, o romance desenvolve-se mais frontalmente através da história familiar e modos de interação dos personagens que são irmãos. As narrativas construídas para contar a vida de cada um vão se desestruturando e transformando, sem que seus autores possam se apropriar suficientemente delas. Interferências mútuas, voluntárias ou involuntárias, são propulsoras de mudanças não almejadas. Quase todos temem algo. Os sentidos para o mundo que cada um elabora ou assume são inacessíveis para o outro, tornando todos estrangeiros entre si.

Irmãos não são capazes de se irmanar com facilidade, seja dentro de uma família ou entre povos diferentes. As hostilidades frequentemente são filhas do estranhamento e dos medos. Indignações, raivas e coragens podem ter lados bastante patéticos e também perversos. A escritora parece apontar para origens íntimas de tantas complicações e falácias nas políticas destinadas a estabelecer maior justiça social e civilidade. O texto de Strout é sempre fluido, agradável de ler. Mesmo quando ela, como já fez em outros romances, não omite aquilo que é constrangedoramente mesquinho no gesto humano, especialmente em vestes de nobreza. Assim, torna mais crível o que pode ser verdadeira e limitadamente justo e generoso nas ações dos indivíduos.

Título da Obra: ENTRE IRMÃOS

Autora: ELIZABETH STROUT

Tradutor: ANTONIO VILELA

Editora: COMPANHIA EDITORA NACIONAL    

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