AMULETO

A obra do chileno Roberto Bolaño (Chile, 1953 – Espanha, 2003) é interessante por muitas razões, entre elas a originalidade. “Amuleto” é uma novela em que o autor trata das dimensões oníricas da memória e da interpretação da realidade. É um texto quase surrealista. Através da protagonista, que tem o sugestivo nome de Auxilio Lacouture, mostra que a ficção é elemento fundamental para que se conte o que se vive, o que os outros vivem e como gira o mundo. É preciso construir narrativas, que transformam-se em amuletos. A narradora parte de referências contidas em lembranças próprias, sempre fragmentárias, para a solidez dos mitos. A pretexto de “cuidar” de poetas e artistas refugiados na cidade do México ela tenta resistir à destruição do lirismo, que pode salvar os indivíduos do desencanto. Afinal, a força para viver nutre-se também de um tipo de magia. O ano âncora da estória é 1968, com eventos perturbadores que talvez tenham deixado cicatrizes mais dramáticas na América Latina.  Fatos não são suficientes para a elaboração de uma estória e nem da História. É preciso dar sentido a eles. O tempo para a narradora é elástico e ela não está atrás de precisões. Parece ter como objetivo salvar a si mesma e também a arte. Há muitas vítimas e o sentimento de ameaça é forte. Num primeiro momento importa a opressão de regimes políticos, com algozes mais definidos: a ditadura de Franco na Espanha e os totalitarismos latino-americanos. Depois isto vai esmaecendo. As referências factuais ficam turvas. Este é o momento em que Auxilio conta-nos sobre o que viveu, o que imagina ter acontecido, o que deduz, reduz e amplia (tudo dá mais ou menos no mesmo). Ela começa mencionando seus serviços para os poetas Pedro Garfias (1901-1967) e Léon Felipe (1884-1968), ambos espanhóis exilados no México e depois de fantasiar encontros com a pintora surrealista Remedios Varo e com a poetisa Lilian Serpas, desemboca na mitologia grega com Erígone, filha de Clitemnestra e Egisto (que tinham matado o marido dela, Agamenon, para poderem se casar) e incidentalmente com Cronos, o tempo, que devora seus filhos. Assim o autor vai neutralizando os simplismos a respeito de Bem e Mal. De um certo modo, pela boca de Auxilio, Bolaño lembra que as histórias podem ser quase todas de terror. Também podem ser um modo de encantamento e de vitalidade. Dependendo da perspectiva de quem conte.

Título da Obra: AMULETO

Autor: ROBERTO BOLAÑO

Tradutor: EDUARDO BRANDÃO

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

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