Há múltiplos sentidos para a qualificação de “supérfluo” que um indivíduo pode atribuir a si mesmo. Igualmente quando a adjetivação advém de terceiros para alguém especificamente ou em uso mais genérico. Parece sempre uma forma de violência psicológica ou, pelo menos, uma triste constatação. Com esse tema Ivan Turguêniev (Oriol, Rússia, 1818 – Bougival, França, 1883) criou o personagem Tchulkatúrin, que se tornou emblemático de um período da história da Rússia, na novela “Diário de Um Homem Supérfluo” publicada em 1850. Assim foi designado o intelectual conhecedor dos problemas russos, mas incapaz de fazer nada de prático, de efetivo pela sociedade. Aqui a referência mais pregnante é o governo do Czar Nicolau I, que se estendeu de 1825 até 1855, quando houve muita estagnação econômica e repressão política. Geralmente tal “paralisia” era mais evidente entre os filhos da aristocracia, que tinham ampla educação formal e conheciam outros países da Europa, onde havia maior liberdade de pensamento e menor desigualdade social. Eram homens cultos e cheios de ideias de renovação, que ao regressarem à Rússia percebiam que de nada valeriam seu conhecimento e intenções. Isso é descrito através de diversos personagens célebres da literatura daquela época. Todavia, Turguêniev foi um grande escritor inclusive por sua largueza de olhar ao analisar o ser humano. O protagonista da novela não é apresentado como mera engrenagem de mecanismos sociais. Ele sente-se um homem supérfluo por achar que não soube desenvolver seus potenciais afetivos. Não conseguiu se fazer amar, que não teve valor significativo para os outros e nem para si mesmo. Está próximo do fim ainda jovem e escreve um derradeiro diário, talvez tentando compreender o que determinou o sentimento íntimo de falta de importância no mundo. Relembra a aridez de intercâmbio amoroso durante sua infância, a inabilidade para comunicar-se com as pessoas e, especialmente, a impossibilidade de experimentar o amor na vida adulta. Nesse sentido o autor toca em questões universais de qualquer tempo. O estilo de Turguêniev, além da grande sensibilidade para o que há de mais profundo no ser humano, tem a sofisticação da transparência. É agradável de ler mesmo falando de temas duros. A Editora 34 mais uma vez merece louvores por oferecer grandes títulos com ótimas traduções diretas do russo. Há também no volume um interessante posfácio de Samuel Junqueira, o tradutor.
Título da Obra: DIÁRIO DE UM HOMEM SUPÉRFLUO
Autor: IVAN TURGUÊNIEV
Tradutor: SAMUEL JUNQUEIRA
Editora: EDITORA 34
