A LEBRE COM OLHOS DE ÂMBAR

 

Reconstruir a história da própria família pode ser uma aventura fascinante. Isto aconteceu com o ceramista inglês Edmund De Waal (Nottinghan. 1964). E resultou num ótimo livro. Muito bem sucedido em sua carreira e bastante ocupado com ela, aparentemente nunca tinha sentido-se motivado a conhecer melhor seus ancestrais. No entanto, ao herdar uma coleção de netsuquês, que são esculturas de tamanho muito reduzido produzidas principalmente no Japão e muito apreciadas na França do fim do século XlX durante a efervescência do “japonismo”, ele foi impelido a olhar para a origem dessa herança. Isso o levou a viagens incríveis, tanto em sentido literal quanto figurado. As encantadoras miniaturas chegaram a De Waal através de um tio avô, irmão de sua avó paterna, que era membro da família Ephrussi. Os Ephrussi são judeus que no século XV viviam no oriente médio e mais tarde imigraram para a Europa, especialmente para a Áustria e França. Tornaram-se comerciantes de grãos e de óleos e foram também banqueiros poderosos.  Além de extremamente ricos eram muito cultos e engajados nos acontecimentos do mundo em que viveram, sempre distantes do tédio e da banalidade. Marcaram presença nas cenas cruciais da vida econômica, política e artístico-cultural em sucessivas gerações. Dentre tantos eventos de que fizeram parte estavam as contendas em torno do caso Dreyfus, que mobilizou dramaticamente a população francesa e teve repercussões no mundo todo.  Neste triste episódio, um oficial do exército francês, de origem judaica, foi injustamente acusado de espionar para os alemães ao tempo em que as disputas franco-germânicas estavam muito aquecidas e causaram uma sangrenta guerra entre os dois países. Dreyfus foi julgado e condenado repetidas vezes. As figuras mais eminentes de Paris se envolveram, tomando partido pela acusação ou pela defesa. Brigaram muito e expuseram  a crescente onda de antissemitismo, que nunca havia desaparecido completamente ao longo da história do ocidente. Os Ephrussi conviveram com a nobreza, a alta burguesia (da qual faziam parte) e também conheceram muitos dos intelectuais e artistas proeminentes, como pintores impressionistas da envergadura de Monet. Eram sofisticados e abertos a inovações.  Chegaram a encomendar telas à Renoir. Um dos ancestrais mais interessantes de Edmund De Waal foi Charles Ephrussi, de tal forma brilhante, que parece ter impressionado Marcel Proust a ponto deste o ter tomado como modelo para um dos grandes personagens de “Em busca do Tempo Perdido”, Charles Swann. Charles Ephrussi foi quem adquiriu a coleção de netsuquês com o propósito de presentear uma mulher por quem era apaixonado e que provavelmente foi a inspiradora de Odete na obra de Proust. A família começou a ter problemas maiores durante a l Guerra Mundial e posteriormente foi arrasada pelo nazismo. Foram espoliados de seus muitos bens. Até hoje não foram ressarcidos, assim como muitos judeus e outras minorias atacadas durante a ll Guerra Mundial. Nesta reconstrução da saga familiar o autor nos leva a um excitante e informativo passeio pela historia europeia. De quebra, a escrita de De Waal dá-nos a sensação de tatearmos os delicados e engenhosos netsuquês ou de estarmos desfrutando da visão de alguma de suas lindas cerâmicas.

Título da Obra: A LEBRE COM OLHOS DE ÂMBAR
Autor: EDMUND DE WAAL
Tradutor: ALEXANDRE BARBOSA DE SOUZA
Editora: INTRÍNSECA

 

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s