AUTOBIOGRAFIA

Os escritores portugueses José Saramago (Azinhaga, 1922 – Lanzarote, Espanha, 2010) e José Luís Peixoto (Galveias, 1974) estão vinculados por fios potentes. Os modos de considerar as palavras, as frases e linguagens dão forma aos universos de ambos e estabelecem comunhão profunda. Em “Autobiografia” Peixoto cria uma estória em torno da ideia de escrita de uma biografia de Saramago ou um “romance de cariz biográfico”. O enredo aparenta quase todo o tempo tratar da relação entre dois indivíduos, numa dança imbricada em torno de um segredo. Mas são plurais os personagens e os sentidos do segredo. Sem deixar de ser algo único.

É um romance. Tudo são estórias conjugadas, exceto as citações de frases de Saramago, títulos de seus livros e alguns poucos dados referentes a datas específicas, efemérides. O livro homenageia o grande ficcionista, o criador, o homem-personagem. Também é um manifesto pela literatura e seu papel revelador sobre sutilezas daquilo que chamamos de humano nos seres, sozinhos ou na interação com outros. Há José, jovem escritor que se encarrega da elaboração do livro biográfico, há outros personagens que simulam circunstancialidade e há o maduro Saramago. O segredo diz respeito àquilo que os liga, abrigando o que o romance de José Luís Peixoto contém de mais essencial. Um segredo que mesmo revelado ou descoberto exige reflexão e convida a uma espécie de filosofar pragmático.

Importa o emprego dos nomes para tocar na questão da matéria que constitui os que neles residem. Com alusão a um dos romances de Saramago, “Todos os Nomes”. Num nome inteiro o prenome pode aproximar-se ou afastar-se do sobrenome (em Portugal, apelido), combinam-se de diferentes maneiras. Dialogam ou fazem dialogar os diversos componentes identitários de seu detentor. A pessoa do prenome está perto daquela do sobrenome quando se dá conta dos jogos de singularidades e de universalidade nos seres humanos, revestidos pelas designações onomásticas.

“Tudo é autobiografia”, como disseram os Josés, Saramago e Peixoto, e, de modo falsamente inverso, tudo é ficção. As identidades são afirmadas, contadas, traduzidas. Viajantes das palavras. Migrantes. Leais ao que é narrado mais do que ao que se pretende fatual. Estão sempre prestes à transformação. Individualidades que se sobrepõem aos coletivos, mas que os carreiam e são carreadas por eles, de maneiras nem sempre visíveis num primeiro olhar. Personas destinadas a funcionarem como atores das dramaturgias.

Autores e seus personagens, assim como os leitores, amalgamam-se, dissolvem-se, recompõem-se e recombinam-se para dizer a vida. Como falou Saramago, “todos somos escritores, só que alguns escrevem e outros não”, somos ficcionistas de nossas vidas e do mundo sobre o qual tentamos entendimentos. Como se estivéssemos destinados a nunca desgarrar a realidade da ficção. E tudo é verdadeiro.

Título da Obra: AUTOBIOGRAFIA

Autor: JOSÉ LUÍS PEIXOTO

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

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