A história de cada um de nós está inevitavelmente enredada na História, especialmente naquela que nos é contemporânea. Nem sempre é fácil ou mesmo possível compreender a conexão entre o que é privado, íntimo e o que se dá em âmbito coletivo. A consciência de possíveis causas e consequências em nossas escolhas e a assimilação do que nos sucede sem que escolhamos, assim como a estruturação de uma narrativa sobre tudo isso, que passe por nosso crivo de fidedignidade são desafios de monta. Interpretar o que vivenciamos e informações que recebemos faz parte desse processo complexo.
No romance “Lições” o inglês Ian McEwan (Aldershot, 1948) aborda a relação entre um homem e seu mundo, para tratar de diversas questões que poderiam ser traduzidas para a vida de seus leitores. Roland Baines, o protagonista, narra sua trajetória desde a infância até a velhice e nisso traz à cena eventos importantes da História da segunda metade do século XX e das duas primeiras décadas do século XXI. Tudo articulado com a maestria que é característica do autor. Acompanhamos Roland em sua meninice pontuada por mistérios sobre os pais, sua iniciação sexual com a professora de piano, quando ele ainda era um adolescente, suas relações amorosas subsequentes, seu modo de afirmar a singularidade e ao mesmo tempo de tentar corresponder às demandas da sociedade, seu esforço para contribuir para a escassa justeza nos rumos no coletivo e, especialmente, o diligência em aceitar o destino e as frustrações impostas pelas opções equivocadas, assim como a falta de opção em seus atos e de não transferir responsabilidades para outros. Longa e interessante viagem na biografia do personagem que é também um relato sobre seu/nosso tempo.
McEwan aborda questões universais com sutileza e com o sofisticado olhar de quem se sabe um ser em permanente transformação. Fala sobre a vulnerabilidade dos indivíduos diante da magnitude da falta de conhecimento útil sobre que se passa dentro dele e frente ao gigantismo e ingovernabilidade do que acontece fora dele. Toca em temas como a agressividade e destrutibilidade humana que aparece em diversas formas de relações íntimas ou sociais: egocentrismo, intolerância e opressão embutidas em ideologias sectárias, racismos, precariedade de informação e mau uso dela, oportunismo desmedido, ilusionismo político e do assustador poder de manipulação das coletividades por parte de seus governantes, desconsideração das lesões causadas ao meio ambiente e que ameaçam a manutenção da vida no planeta e, entre muito mais, da metamorfose de sentidos dos eventos históricos passados à medida que indivíduos, famílias e sociedades evoluem e torna-se evidente a imprevisibilidade do futuro.
A leitura do texto, em que a ficção é altamente engajada em planos essenciais da realidade, é envolvente, prazerosa e promove reflexão. Mais um excelente livro de McEwan, um dos maiores romancistas vivos.
Título da Obra: LIÇÕES
Autor: IAN MCEWAN
Tradução: JORIO DAUSTER
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

Não tem como não acrescentar esse livro na minha lista interminável (felizmente!) , sou fã de McEwan e de suas resenhas também.
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Muito obrigado pelo comentário e por ler minhas resenhas, Isabel
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