A EXPLICAÇÃO DOS PÁSSAROS

Um menino pede ao pai: “Explica-me os pássaros.” O pai responde “que os ossos deles eram feitos de espuma da praia, que se alimentavam das migalhas do vento e que quando morriam flutuavam de barriga no ar, de olhos fechados como as velhas na comunhão.”

Há um tempo na vida em que o mundo parece ser todo explicável, pleno de significados a serem descobertos, aprendidos. Expectativa própria da imaturidade do espírito, que pode ser muito duradoura. Talvez, para a maioria das pessoas, a esperança de que tudo tenha sentido nunca deixe de estar implicada nos rumos que tomam. Contudo, há os que percebem a falta de racionalidade prévia no viver e nele a ausência de propósito natural. Interpretam a ideia de sentido imanente ao existir nos seres humanos como uma ilusão na luta pela sobrevivência. Crenças, de cunho religioso ou não, podem servir de antídotos para a dor e o medo do vazio, mas dificilmente resistem à razão mais afiada. É preciso fazer-se forte. Cabe a cada um tornar-se “Adulto por dentro, responsável, capaz, com força para o absurdo cretino do dia a dia?”

Entre o muito que é difícil de compreender na vida estão os afetos, mesclados aos construtos racionais sobre quem se é e quem são os outros. Julgar é algo bem mais comum do que tentar entender funcionamento e intuitos das pessoas, o que exige maior esforço e certa sofisticação afetiva e intelectual. A comunicação disparata-se com facilidade e a solidão de cada um acentua-se. Alguns, sem maiores explicações, experimentam níveis suficientes de bem-estar e apreço por estarem vivos. Outros não.

O romance “A Explicação dos Pássaros” de António Lobo Antunes (Lisboa, 1942) conta a intrincada estória de um homem que se suicida, desfecho anunciado no início. Conclusão de um processo de nadificação da vida. Sem revolta ou protesto. Ao narrar o final de semana em que se dá o ato trágico a biografia do protagonista é esboçada. Para isso Lobo Antunes usa o estilo que lhe é muito próprio, em que o discurso é fragmentado e desafia a intenção do leitor de “arredondar” a inteligibilidade da estória. Talvez, no caso desse romance, o autor pretenda também lembrar o fato de que todas as biografias são erráticas, imprecisas e, se de algum modo verdadeiras, podem ser somente entrevistas. Explicações voam e afastam-se do pensamento linear. Rui S. é um homem deslocado no mundo que é capaz de reconhecer. Filho de uma família rica, preconceituosa e pouco permeável aos sentimentos espontâneos, tem a sensação constante de distanciamento e estranheza em relação aos parentes. Nos dois casamentos não consegue superar a quase condenação ao isolamento; as mulheres parecem gélidas e ele se apequena diante do próprio desejo de intimidade e vinculação. Por outro lado, a relação com os pares profissionais/acadêmicos é obscura e o que ele consegue produzir não lhe é relevante. Os pretensos companheiros de partido político desprezam-no, pois, declarando-se um homem da esquerda (sem filiação oficial), é visto como alguém irremediavelmente burguês e condenado a ter papel insignificante. É excluído da grandiosidade do projeto de futuro a ser erigido pelos que lhe são moralmente superiores devido à origem proletária. A rigidez de perspectivas e a estreiteza do que conquista dá o tom a qualquer tentativa de relacionamento interpessoal. O cerne grotescamente pétreo das posições ideológicas dissolve os propósitos nobres pretendidos. Não importa de que lado das escaramuças políticas ou em outros âmbitos estejam protagonista e demais personagens, acabam transitando somente pelos desertos que criam com suas crenças e valores intransigentes, incompatíveis com a complexidade da realidade. Carecem de intensão amorosa, mesmo como miragem. Rui não encontra saída. Nem entrada. Chega ao ponto em que não há mais o que tentar explicar para si mesmo. Menos ainda o que buscar. Resta uma insuportável inquietação interna e aridez externa, que corroem os vínculos e desfazem a ordem das coisas, esvaziam a importância de tudo. Como fazer valer a vida?

Ler António Lobo Antunes não é fácil. É preciso não temer aquilo que parece confuso e ganhar alguma familiaridade com o modo dele escrever. Com isso é possível trafegar por um texto complexo, cujas informações são emaranhadas e os nexos entre elas nunca são óbvios. Vale o esforço, pois ele é um grande autor, tem o que dizer e o modo de o dizer faz parte disso.

Título da Obra: A EXPLICAÇÃO DOS PÁSSAROS

Autor: ANTÓNIO LOBO ANTUNES

Editora: ALFAGUARA

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12 comentários

  1. Parece ser um livro bastante denso, forte, quem sabe para esses tempos sombrios ele pode até ser positivo. Grata pela atenção.

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  2. Olá

    Eu andei triste pois achava que você tinha dado um tempo no seu site. E só agora me dei conta que, a troco de nada, seus e-mails estão indo direto para a caixa de spam ou mala direta.

    Já tentei fazer alguma coisa para não ser considerado spam, mas continua. Tenho tido o cuidado de antes de deletar tudo, ver se tem e-mail seu. Fica o alerta, não sei se é a Locaweb.

    Você poderia alterar meu endereço de e-mail, para o gmail, pois creio que soluciona essa questão: crisoliveira296@gmail.com crisoliveira296@gmail.com

    Abs fraterno

    cristina

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá Cris
      Obrigado pelo contato
      Eu não consigo fazer a inscrição por você (ao menos antes não era possível, mas vou tentar). Acho que você tem que fazer outra inscrição para seguir com esse novo e-mail
      Bjs

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  3. Tentei ler um livro de Antonio Lobo Antunes (Ontem não te vi em Babilônia) e não consegui, muito confuso!… Será que consigo ler este?

    Curtido por 1 pessoa

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