A EXPOSIÇÃO DAS ROSAS E A FAMÍLIA TÓTH

A literatura produzida na Hungria do século XX ainda é bastante desconhecida no resto do mundo. Talvez Sándor Márai seja hoje o nome mais célebre nessa área e vem sendo progressivamente resgatado e valorizado por editoras e leitores em anos recentes. Mas, há muitos outros ótimos autores que, principalmente por razões políticas e imposições governamentais durante o período de influência/dominação da extinta União Soviética, foram silenciados e quase desapareceram do cenário literário. István Örkény (Budapeste 1912-1979) foi um desses grandes escritores.

O título do volume “A Exposição das Rosas e A Família Tóth” diz respeito às duas novelas nele contidas, que foram escritas com intervalo de mais de dez anos. Há certa ligação entre ambas através da refinada ironia ressaltando o absurdo, quase como um atrevido personagem dos dois enredos.

A FAMÍLIA TÓTH

“A Família Tóth” passa-se numa aldeia, durante período de guerra em que a família de um soldado hospeda o major que era seu comandante no campo de batalha, convidado pelo subordinado para repousar e recuperar-se de vivências traumáticas na tranquila residência dos pais. Tomam-se providências para o conforto do importante hóspede. O ponto de partida é o intento do até então respeitado patriarca em tentar minimizar o mau cheiro exalado pela latrina da casa. A preocupação expande-se para qualquer situação que pudesse melindrar o major. O grande esforço empreendido pela família em agradar ao chefe militar tem o objetivo de protejer a vida do filho através de possíveis benesses advindas dessa boa relação. Todavia, uma série de mal-entendidos põe por terra o projeto. O medo das consequências de falhar leva pai, mãe e uma irmã do combatente a responder de modo ensandecido aos desvarios do hóspede. Todos acabam suspendendo modos de ser usuais que os caracterizava. Mesmo com transtornos ocasionados pelas mudanças de hábitos, na trama importam mais os discursos do que ações. Palavras ditas de um modo e ouvidas ou compreendidas de outro são o cerne do problema. Sem que ninguém soubesse (nem familiares nem o comandante militar) o rapaz, pivô do encontro entre eles, havia morrido imediatamente após a partida de seu chefe. A informação é repetidamente omitida pelo aldeão encarregado da entrega da correspondência, que destrói telegramas e cartas que comunicavam o fato aos parentes. O intuito era de adiar seu sofrimento, mas acaba resultando em outro modo de causar dano. Há curiosa engenhosidade cômica na enredo que cumpre a função de acentuar aquilo que é trágico, parecendo enganosamente dramático, nos destinos de todos.

A EXPOSIÇÃO DAS ROSAS

Nesta novela, a mais interessante das duas, um diretor de TV faz um documentário sobre a morte de portadores de doenças potencialmente fatais, seguindo-os durante seus últimos dias. Além de questões sobre o morrer, o que dá tom ao enredo são as relações entre as pessoas envolvidas com o “morrente”, desde o idealizador/diretor do filme até seus familiares e amigos. A aparência de nonsense tem em princípio maior proeminência no projeto cinematográfico, mas o que transparece na interação dos personagens é mais desconcertante. São contundentes as incongruências nos vínculos afetivos dos indivíduos. A natureza das motivações de cada um nas relações interpessoais mostram-se discrepantes entre si. Evidenciam a artificialidade camuflada na convivência determinada por laços tradicionais, como casamentos ou compromissos entre pais e filhos. Nesta segunda estória, mais do que os enganos e confusões ocorridos na difícil comunicação entre seres humanos, tem destaque aquilo que é grotesco, frívolo ou o ignóbil onde se espera nobreza de sentimentos e ações.     

O absurdo apontado por Örkény tem colorido, formato e consistência próprios daquilo que se pode identificar em situações comuns da vida, desde que seja possível reduzir a miopia do olhar.

Título da Obra: A EXPOSIÇÃO DAS ROSAS E A FAMÍLIA TÓTH

Autor: ISTVÁN ÖRKÉNY

Tradutor: VOJISLAV ALEKSANDAR JANOVIC

Editora: 34    

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2 comentários

  1. A 34 tem publicado livros ótimos, não é, Luís? Esse eu não conhecia, mas me fez lembrar de uma “Antologia do conto húngaro”, organizada pelo Paulo Rónai, que herdei de meu pai. Vou relê-la. Não sei se você conhece e imagino que esteja esgotada, mas se achá-la, é muito interessante. Vi também que a editora Hedra tem um outro “Contos húngaros”. Deve ser bom também. Veja o que diz um trecho do resumo do livro que achei na Amazon. Se é que você já não conhece. Beijos.

    “O que a Hungria tem de mais peculiar, porém, menos do que sua história, comum à dos demais países da região, é sua língua. Se a maioria dos europeus fala alguma língua da família indo-européia, os húngaros estão entre as poucas exceções. Dez contos inéditos de quatro dos autores mais representativos da literatura de língua húngara compõem esse livro. Gyula Krúdy, Dezsö Kosztolányi, Géza Csáth e Frigyes Karinthy fornecem um impressionante panorama da maestria da prosa húngara do início do século XX, representando tanto a última geração a amadurecer antes da Primeira Guerra até a primeira geração de escritores a colaborarem com a revista Nyugat. A tradução é de Paulo Schiller que, ao lado de Paulo Ronái, é um dos mais ativos difusores da literatura húngara no Brasil. Esta edição é dedicada à memória de Paulo Rónai.”

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    1. Também acho a Editora 34 muito boa. Eu não conhecia as coletâneas de contos que você recomendou. Vou tentar encontrar. Conhece o Paulo Schiller há muitos anos e acho que foi a primeira vez que ouvi falar em Sándor Márai. Muito obrigado por seu comentário querida Anaelena. Um beijo

      Curtido por 1 pessoa

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