Seres humanos confortam-se com crenças. Estas são formadas por conjuntos de ideias que ganham valor de verdades. Tornam-se elementos constituintes das identidades pessoais e coletivas. Ideologias, em grande parte, estão neste bojo. Os indivíduos podem estabelecer fortes laços com suas crenças, sejam elas forjadas por eles mesmos ou por outros. E também são capazes de modificá-las ou eliminá-las quando fazem valer o senso crítico. Todavia, as conveniências circunstanciais tendem a ser o verdadeiro balizador das condutas. Talvez representem as reais ameaças à estabilidade daquilo em que se acredita e que se valoriza. Muito mais do que o exercício da ética, que obriga à constante revisão das ideias e intenções em seus contextos de contínua transformação e à ampla avaliação de atos efetivamente praticados. Tudo isso costuma ter relação com o que chamamos de política.
Os conceitos de política, além de terem passado a distar largamente da origem do termo na Grécia da Antiguidade, quase nunca implicam realmente a defesa de ideias e propostas com vistas ao melhor funcionamento de coletividades. Ao invés disso, a política ganhou um tipo de plasticidade destinado a atender interesses de indivíduos e grupos mais capazes de tornarem-se lideranças e governos. Realiza-se frequentemente através do convencimento com proposições formais por via de sedução (sem descartar os embustes), submetendo disfarçadamente os liderados ou, de outro modo, pela coerção, aberta ou camuflada. Acima de tudo serve para tomar e manter o poder. Lança mão de imenso cinismo. Quanto mais a História é analisada e interpretada, mais evidentes ficam as ilusões e enganos que são engendrados para entranharam-se no pensamento dos que acreditam em justeza e buscam civilidade.
O inglês Julian Barnes (Leicester, 1946) publicou em 1992 uma interessante novela refletindo esses temas, “O Porco-Espinho”. A estória é construída em torno do julgamento do ditador deposto de um fictício país comunista após as mudanças que levaram ao fim da URSS em 1991, com o advento da Perestroika e da Glasnost. A natureza da sentença não dependia, desde a instauração do processo, da apresentação de provas cabais de infrações cometidas pelo acusado. Os rumos já estavam definidos pelo contexto em que sua queda se deu. Nas entrelinhas da trama os piores crimes possivelmente cometidos pelo “timoneiro” não eram passíveis de demonstração concreta. As leis foram então usadas ou contornadas para que ele fosse condenado. Como aparentemente aconteceu muito na antiga URSS. Como possivelmente continuaria ocorrendo nos governos que sucederam o estado totalitarista. Esta continuidade num modo de operar é que ganha relevo na abordagem do autor. A corrupção transmitida como uma herança entre os poderosos, como elemento acessório do poder. Algo que envolvem benesses materiais, mas também um apossamento das pessoas e de seus destinos. Fica a sugestão de incapacidade humana quanto à criação de sistemas sociais e normas legais realmente justos. Sem discussão das ideologias quanto ao mérito, o texto leva a pensar na política como mero instrumento para manipulação de pessoas, sem muita relação com as intenções teóricas alegadas de promoção de seu bem-estar. Os sistemas judiciários seriam afluentes destas correntes de poder e corrupção.
Título da Obra: O PORCO ESPINHO
Autor: JULIAN BARNES
Tradutor: ROBERTO GREY
Editora: ROCCO

Além do óbvio caráter universal, quanta brasilidade a obra parece conter…
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Pensei o mesmo que você ao ler o livro. Problemas universais e duradouros. Obrigado por comentar, querida Renata
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