PEQUENA COREOGRAFIA DO ADEUS

Vínculos familiares geralmente são multifacetados e difíceis de compreender. Costumam enovelar-se ao longo das vidas e perder a nitidez entre as memórias convenientes ou toleráveis. Tendem a ganhar coloridos artificiais como em fotografias antigas. Às vezes são desconcertantemente desprovidos de amor.

Em “Pequena Coreografia do Adeus” Aline Bei (São Paulo, 1987) conduz o leitor ao interior de uma jovem marcada pela aridez na relação com os pais. Muita escassez e rudeza afetiva, especialmente na convivência com a mãe, ameaçam desertificar quase tudo ao redor. Os caminhos que a autora toma em seu relato não são os mais usuais e ela sabe que o que tem a dizer exige cuidado. Compartilhar com o outro aquilo que dói representa sempre um desafio. Palavras e afetos nem sempre se harmonizam como deveriam. Importam as intensidades de emissão do que se deseja transmitir, é preciso cuidado com excessos que podem ferir de morte a sensibilidade estética do receptor. E, mesmo que haja inexatidão, atributo da subjetividade inerente à tarefa, é fundamental o tom de autenticidade no que é contado. Imprescindível haver grande intimidade entre o personagem e seu criador.

Aline Bei brilha ao transitar entre prosa e poesia, sem permitir que o leitor priorize impunemente uma das duas formas literárias. As palavras são transformadas em instrumentos para dizer e sugerir coisas, assim como para dar contorno a silêncios que não se podem transpor em certos momentos. Existe sentido em sua posição no texto (frase/verso), no uso da pontuação e no tamanho da fonte. É notável o fato de que o lirismo não dilui a sedução do enredo. Este é atraente para o leitor e o deleite com os aspectos formais não interfere com a fluidez da leitura. Pode ser lido como um romance de formação. Coreografado. Nele, dizer adeus ganha variações semânticas. O dramático desemboca no trágico como mecanismo natural nos incessantes movimentos que dão corpo a uma história. Há um morrer não para renascer, mas para nascer repetidas vezes como outra coisa que não um ser ressuscitado.  É uma obra feminina. Tem voz de menina e mulher. E há força na delicadeza.

Título da Obra: PEQUENA COREOGRAFIA DO ADEUS

Autora: ALINE BEI

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS 

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