A PAIXÃO DE A.

Alessandro Baricco (Turim, 1958) é um escritor contemporâneo que sabe unir linguagem de lirismo enxuto com temas impactantes. “A Paixão de A.” segue esta linha. Através do narrador e seus amigos, todos adolescentes tardios, ele trata das cataclismos que podem acometer os processos de dar sentido para a vida. Contribuindo para as transformações por que passam os meninos/homens (narrador, Bobby, Luca e Santo, que compõem um grupo de músicos numa igreja) há uma menina da mesma faixa etária, que eles conhecem à distância e que tem comportamentos mais francamente temerários, chamada Andrea. O mote da narrativa está na questão da fé, cuja conotação aqui transcende em muito a religião, mesmo que a atravesse. O que importa mesmo é a fé que se pode ter em significados previamente estabelecidos e que fariam as vezes de guias para os comportamentos e certas formas de coerência na compreensão do que acontece com uma pessoa, intimamente e em seu mundo. Há uma educação que promete justificativas e previsões para tudo o que se dá. Talvez seja estruturante e necessária, cumpra uma função formadora, mas para alguns estará fadada à falência. Desde o que dizem os pais, os ensinamentos de uma religião, da escola, das filosofias, até as crenças singulares às quais cada indivíduo atrela-se para não se desesperar. A fé exige abstenção de pensamento crítico, de interpretações autônomas dos fatos, de criação autêntica. Introduz o drama onde o que é trágico insiste em se afirmar. O que os jovens da trama acabam por não poder evitar são os eventos imprevistos e descontrolados, talvez incontroláveis, próprios do viver, que o constroem e que não cabem nos “textos” conhecidos antes da experimenta-los. Parece ser preciso criar, em favor de alguma luz, para escapar do obscurantismo. Um tanto com arte e pragmaticamente com atitude. A coragem é imprescindível, deve se sobrepor à fé e possibilitar a tolerância ao diverso, ao ignorado, ao que não faz sentido a tempo. E tudo isto é um aprendizado que não se presta aos evangelhos.

O título original desta obra, que tem estrutura de um conto longo, é “Emmaus”. Referência ao episódio bíblico em que dois peregrinos no caminho da aldeia de Emaús discutem o que teria acontecido em Jerusalém logo após a crucificação de Jesus. Encontram-No sem O reconhecer até que um gesto Seu, durante a ceia para a qual O convidam, serve como revelação de Sua natureza. Isto, em princípio,  já deveria ser aceito pela via da fé (de quem a tem à primeira hora e a ela se entrega). Como se o que é verdadeiro estivesse dado, sem precisar ser contado e confirmado. “Emmaus” tem muito mais relação com o conteúdo do livro do que o infeliz “A Paixão de A.” (talvez aproximado à paixão de Cristo). A paixão não prepondera, se há. Andrea não é uma Lolita e nem tem nenhum papel messiânico, simplesmente age sem explicar-se e de modo distinto do esperado, catalisa mudanças em outros, sem passar por estações de percurso didático, sem intenção disto. O sexo, assim como a rebeldia da moça não contêm ensinamentos, são o que são. Baricco merecia uma tradução mais cuidadosa, no intuito de conservar a poesia inscrita na crueza do que diz, com todos os cuidados na reconstrução das frases que a criam.

Título da Obra: A PAIXÃO DE A.

Autor: ALESSANDRO BARICCO

Tradutora: ROBERTA BARNI

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

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