Julgar não implica fazer justiça. Às vezes é o oposto. Não raro as pessoas proferem aberta ou veladamente sentenças condenatórias sobre outras que são formas de violência. Podem “patrulhar” usando valores e crenças que supõem conferir-lhes superioridade moral, agir em nome de causas e movimentos coletivos ou simplesmente aproveitar uma oportunidade para desqualificar e mesmo tentar destruir seus desafetos. Por vezes acreditam sinceramente na legitimidade do que fazem, noutras são rematadamente hipócritas. Tais justiceiros forjam para suas vítimas imagens falsas de algozes. Palavras, gestos e atos classificados como ofensivos e socialmente perigosos, servem para a condenação, tornam-se verdadeiras armas para o ataque de indivíduos ou grupos. Criam-se motes do “politicamente correto”, sem levar em conta o que é verdadeiro e o que é falso nas alegações condenatórias, não há busca do que é justo. Frequentemente há um cenário social já preparado para acolher eficientemente denúncias e produzir culpados e punições. Interpretações inteligentes e éticas sobre o que se diz (verbalmente ou nos textos) e exigem esforço intelectual, além de honestidade. Assim, elas não podem excluir as condições em que o dito está inserido. Texto e contexto devem andar juntos. Do contrário reinarão os espíritos malignos e os toscos. Muito mal é praticado por estas vias.
“O Tribunal da Quinta-Feira” do gaúcho Michel Laub (Porto Alegre, 1973) fala do efeito do uso destrutivo dos enganos acidentais ou forjados nas interações humanas. Um enredo elegante, enxuto e estimulante para a refletir sobre temas importantes. Aborda a complexidade dos afetos e dos compromissos, das relações dos indivíduos com a sexualidade e o amor, amizade, ressentimento, agressividade e leviandade, para citar alguns. Importa muito a distinção entre aparências e realidade e a facilidade com que são confundidas. Contam os artifícios da atitude opressora, demolidora do pensamento divergente, camuflada como defesa da dignidade ou de direitos básicos. Neste aspecto, os indivíduos apresentados como agressores podem sofrer verdadeiro massacre sem que realmente sejam cabíveis ou justas as acusações e punições impetrados. Os danos advindos podem ser irreparáveis.
O romance faz observar a imprevisibilidade em parte significativa dos acontecimentos, que acaba por desbaratar compreensões de mundo e projetos de futuro no curso de qualquer vida. Toca também em assuntos mais específicos, como as significações (instáveis) que a AIDS pode ter nos destinos de quem com ela vive ou convive e dos que pouco sabem sobre o assunto. Na pauta ainda há algo que cada vez mais faz parte dos cotidianos na era da comunicação digital: a conversão do privado em público e as múltiplas maneiras de deformação e de manipulação de informações, geralmente servindo a propósitos nada nobres. Perversões modernas, ameaças à civilidade raramente bem aquilatadas.
No conjunto, o livro articula pontos chave para lembrar a obrigatoriedade dos exercícios éticos, tão frequentemente negligenciados, como se estivessem obsoletos, num mundo que gira na velocidade das conveniências imediatas e onde a alteridade está sempre por um fio. É muito contemporâneo. Improvável tornar-se um texto datado, pois propicia discussões cabíveis e necessárias em qualquer momento. O leitor pode empreender navegações diferentes nos vários planos do enredo, mas Laub tem a sofisticação de não seduzir com desfechos redondos. Ele exclui revelações na estória que poderiam reduzir as dimensões daquilo que importa. A leitura é muito agradável e envolvente, apesar dos espinhos temáticos.
Título da Obra: O TRIBUNAL DA QUINTA-FEIRA
Autor: MICHEL LAUB
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

Mais um livro que vc consegue provocar o desejo de ler. Obrigada
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Muito obrigado pelo comentário, querida Teresa
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Que texto “ESPETACULAR”. Parabéns Justo, mais uma vez fez a diferença em mera palavras bem escolhidas.
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Muito obrigado pelo comentário, querida Jogê
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