Povos antigos podem ter ligações muito vivas com a contemporaneidade. As pessoas e sociedades de agora apresentam elementos em suas identidades que têm origem em tempos muito remotos e acabaram perdendo contornos, deixando de ser apropriadamente distinguidos e de provocarem devidamente o espírito. Esses constituintes identitários costumam aparecer em cenas contemporâneas. Apreender a informação integrada aos objetos que preservam sua ancestralidade é um modo de compor a história do empreendimento civilizatório. Tais peças, além de fomentos para o conhecimento, têm o poder de surpreender e encantar o observador capaz de levantar os véus do preconceito e das interpretações estereotipadas. Henri Matisse e Pablo Picasso perceberam tesouros aí e transpuseram-nos para algumas de suas obras. Máscaras, estatuetas, objetos utilitários, joias, ícones religiosos e outros com propriedades totêmicas compõem a coleção do marchand, nascido em Paris e residente em São Paulo, Christian-Jack Heymès e parcialmente exposta num belo livro intitulado “Fetiches”. Além do deleite proporcionado pelas fotos, Heymès fala sobre seu papel de coletor interativo em universos que o encantaram mesmo quando ele só podia intuir a riqueza que encontraria. Viajou para interiores da Ásia, África e também da América Latina construindo um museu particular com peças que podem ser consideradas objetos de arte e são depositárias de culturas, de humanismos. Ele sugere dimensões muito mais amplas do que a presumida expressão do vigor do primitivo e do mito. O termo fetiche designa apetrechos com propriedades mágicas ou eróticas, às vezes amalgamadas. Na descrição de Heymès sobre seu colecionar não parece ter havido motivação primariamente fetichista. Houve curiosidade pela diversidade humana, por aquilo que não sendo ainda icônico pavimentou caminhos para descobertas vibrantes. Algo que contribui para a criação de sentidos para o viver. Estes sentidos podem também habitar fetiches, ou constituí-los, como aconteceu em sua criação entre diferentes povos. No livro podemos vislumbrar, mais do que a valorização do multiculturalismo, talvez um tipo de comunhão ou um modo de sortilégio. A posteriori.
Título da Obra: FETICHES: DIÁRIO DE UMA COLEÇÃO DE ARTE TRIBAL
Autor: CHRISTIAN-JACK HEYMÈS
Editora: EDITORA DO AUTOR