Coincidências existem. Ao menos para aqueles que, diante do acaso, não se permitem acreditar em desígnios sobrenaturais ou construtos causais impossíveis de demonstrar objetivamente. Atribuir significados à aleatoriedade, parte do mundo em que vivemos, é algo bastante comum. E podem ter as mais variadas apresentações, algumas vezes com jeito de erudição, de conhecimento profundo sobre funcionamentos insuspeitados pelos seres menos inteligentes ou incultos ou não iniciados em certas “ciências”. Outras vezes são despreocupadamente simplórias. Menos frequente é as pessoas registrarem o acaso como tal e reconhecerem que não podem justificar sua ocorrência, caso sejam mais rigorosas quanto à racionalidade do que pensam. Parece que é difícil aceitar a força do que é acidental. Em “O Caderno Vermelho” Paul Auster (Estados Unidos, 1947) conta algumas histórias de que foi personagem e onde identificou sincronias fatuais que o impressionaram. Como bom escritor que é, ele soube conferir texturas, odores e sabores ao que narrou. Priorizou o valor da construção literária nas narrativas. Mencionou passagens de sua biografia que, além de agradáveis de ler, sugerem aspectos curiosos do homem que ele é (ou uma soma do que foi em momentos distintos). Fica a impressão de que na calada de suas crenças mais íntimas ele viu uma forma de sintaxe para as coincidências que experimentou e, talvez razões para além do que a razão possa sustentar. Todavia, optou por não falar abertamente disto e soube deixar dúvidas sobre o que o inesperado realmente significa para ele, para além de uma certa degustação das variações do viver.
Título da Obra: O CADERNO VERMELHO
Autor: PAUL AUSTER
Tradutor: RUBENS FIGUEIREDO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS (COMPANHIA DE BOLSO)