Elvira Vigna (Rio de Janeiro, 1947 – São Paulo, 2017) parece ter sido uma mulher séria e densa. Até no humor. E sensível. Foi uma grande escritora brasileira. Infelizmente, menos conhecida do que merece e do que merecem as pessoas que gostam de literatura. O uso que fez da linguagem coloquial, especialmente a falada, confere-lhe uma originalidade rara. Não emprega neologismos nem artifícios para exibir erudição, mesmo quando faz citações bastante cultas. Também por isto é sofisticada. Sua escrita errante, percorre “atalhos, ruelas verbais cheias de curvas” para revelar o muito que os detalhes podem conter. Vigna investe nas minúcias que não costumam despertar o interesse da maioria. Sugere que a aparente irrelevância do circunstancial é um engano ou até uma forma de ironia. O menor nunca é do tamanho que se supõe. Pode ser enorme se for retratado pelas lentes certas. “Coisas Que Os Homens Não Entendem” tem como tema mais ostensivo um assassinato, que no desenrolar da narrativa é transformado em evento incidental. Talvez, sirva para lembrar que são muitas as dimensões do trágico nos cotidianos e que o que realmente importa aos indivíduos pode não ser exatamente a tragédia em si. É preciso não permitir que esta sequestre inteiramente o olhar do observador. Na protagonista/narradora estão os sentimentos vivos, através dos quais ela faz uma parceria com quem a lê. Oferece intimidade. Um tanto dura, mas consistente até nisto. Nas particularidades de seu percurso ela registra a desconfiança, estranhamento e mesmo hostilidade nas relações entre pessoas, as ameaças provocadas pela diversidade entre humanos. Modos de interação que só submergem em intervalos limitados, como na frase de Primo Levi que ela cita “a guerra não acaba, é só uma trégua”. Isto inclui as batalhas corriqueiras entre seres agregados por gênero, ideologia, cor da pele, classe social e por muita fantasia usada para categorizações. Para além dos coletivos conflitantes há as montanhas russas e trens fantasmas que cada indivíduo experimenta ao tentar estabelecer uma identidade pessoal. A autora aponta para o que é cambiante nos sentidos das ações, fazendo valer a ideia de complexidade para o tratamento de questões morais e éticas. Coisas que os homens, de todos os gêneros, não entendem suficientemente. Como em seus outros romances há que se ler com olhos para o modo dela entender a realidade e a forma de a descrever. A forma é fundamental em sua obra. É preciso entrega e atenção à cadência de seu tempo, assim como ao seu jeito de concretizar espaços e depois dissolve-los. E ela acaba ensinando algo sobre a abrangência das incertezas no viver. Fundindo enganos e verdades.
Título da Obra: COISAS QUE OS HOMENS NÃO ENTENDEM
Autora: ELVIRA VIGNA
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS