O CAVALO PÁLIDO

    Quatro são os cavaleiros do Apocalipse. Representam a peste, a guerra, a fome e a morte. No mito bíblico o cavaleiro da morte monta um cavalo amarelado, pálido. Boris Sávinkov (Khárkov, 1879 – Moscou, 1925), que foi verdadeiramente um terrorista, escreveu sobre as motivações daqueles que usam a destruição e o assassinato como forma de manifestação. Às vezes com uma causa definida e alegada, vinculada ao desejo radical da obtenção de algo para a vida e em outras vezes são atos para destruir algo que faz parte da vida. Inevitavelmente algo avassalador, sem o uso de outro recurso que não o aniquilamento.

O romance “O Cavalo Pálido” tem cunho fortemente autobiográfico e expõe de modo incisivo o funcionamento psicológico de engajados no terror. O título da obra diz muito ao usar a imagem do animal que transporta o aniquilador, e a revelação daquilo que não é óbvio ao primeiro olhar: um dos sentidos de “apocalipse”. Talvez os objetivos do autor ao escrever este romance tivessem relação com mais do que estes dois aspectos.

 O cavalo age por instinto e treinamento, não debate ideias, não se justifica, não está sujeito às intempéries da razão. No contexto do livro o cavaleiro é emissário de algo que faz vezes de mensagem e confissão. Ele pode ter que se mover num tabuleiro (uma antítese do serve para jogar xadrez ) rigidamente pregado em explicações sobre o mundo e em cuja superfície de percurso desenha-se a rota para extingui-lo. O cavaleiro age doutrinado para uma missão e teve extirpada parte importante de sua autonomia. De certo modo, montador e montaria fundem-se. O narrador registra o que lhe é essencial num diário. Curiosamente, questões políticas têm pouco relevo no que Sávinkov revela, apesar dos eventos trágicos terem como finalidade aparente a eliminação do regime tzarista. A apologia dos males do governo russo tem feitio de cenário ou de adereço e não de determinante da ação. O que chama a atenção é o vazio no viver dos terroristas. Talvez a limitação extrema da capacidade de refletir criticamente. Especialmente por parte daquele que narra, o coordenador das operações. A abordagem desse vazio é quase sempre oblíqua, não se transforma em mote por si mesma. Aparece numa espécie de concepção cínica/tresloucada/trágica do amor e da morte; um tipo de niilismo. O ato destrutivo como condutor para mais vazio, a borda final de um tipo de inércia, sua veemência derradeira. Afetos são evitados e, quando inevitáveis, mostram-se geralmente pueris, áridos ou inconsistentes. De algum modo, cada personagem acaba por tocar em pontos cruciais da constituição do ser que pratica o terror, como Vania, um homem maduro, ávido pela fé religiosa, que diz: “Sabe, é fácil morrer pelos outros, dedicar sua morte às pessoas. Agora, dedicar a vida é mais difícil.”

Forte como ficção, perturbador como retrato de uma certa realidade. E apocalíptico.

Título da Obra: O CAVALO PÁLIDO

Autor: BORIS SÁVINKOV

Tradutor: RUBENS FIGUEIREDO

Editora: GRUA

 

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