Alguns artistas podem promover a fusão de afetos na materialidade de sua obra. Retratam o que não é comum se ver, o que é da esfera do sentir. Assim engrenam os sentidos e intelecto de quem enxerga o que produziram. Gianlorenzo Bernini (Nápoles, 1598 – Roma, 1680) foi um destes humanos que, pela enormidade do talento, ultrapassou as leis do desaparecimento contidas no tempo. Reconhecido como genial desde sua adolescência teve sua vida moldada pelo que criou. Em parte, tornou-se criatura do que criou. Foi intenso. Parece não ter aprendido a tirar medidas de suas intenções, agia. Para o bem e para o mal, que talvez não fossem objeto de sua atenção enquanto tais. Possivelmente foi um homem arrogante, forte, passional, egocêntrico e dominado pela noção da excepcionalidade do que fazia. Sua via de expressão maior foi a escultura, apesar de também pintar, criar projetos arquitetônicos e atuar como homem de teatro. Esteve muito próximo dos poderosos de Roma no século XVII, trabalhou para eles, incluindo alguns papas. Monarcas como a rainha Cristina da Suécia e Luis XIV fizeram-lhe encomendas. Foi considerado o maior escultor do mundo enquanto era vivo. Talvez possa ser comparado a Michelangelo quanto à magnitude de sua obra, mas via e fazia ver a beleza que habitava outros espaços. Focalizou o movimento e a dramaticidade que atestam a vida e transferiu-os para os blocos de mármore em que trabalhou. Transmutou pedra em carne. O gozo e dor, gozo na dor, vivem em suas esculturas como elementos de certa sensualidade que está sempre a ponto de transbordar. Seu universo foi barroco, em muitas dimensões. Sobre Bernini o escritor e professor de História da Arte Simon Schama (Inglaterra, 1945) escreveu um ensaio, “O Criador de Milagres: Bernini”, incluído no livro “O Poder da Arte”, que entrega ao leitor fragmentos de história. Os pedaços que mais importam. Schama fala dele a partir de algumas de suas principais obras, ocupando-se mais do artista do que do homem. Todavia, vislumbramos a imagem de alguém que em sua longa vida teve relações conturbadas, viveu romances tórridos e que tardiamente casou-se e teve onze filhos, mas pôs o trabalho à frente de qualquer outra coisa . É sobretudo uma pequena biografia artística em que ele trata de “Bacanal: O Fauno Atormentado por Crianças”,“Eneias e Anquises”, “O Martírio de San Lorenzo”, o busto do cardeal Scipione Borghese, “Davi”, “O Rapto de Proserpina”, o busto de Constanza e o “Êxtase de Santa Teresa” para construir a figura de quem legou ao mundo milagres verdadeiros.
Título da Obra: O PODER DA ARTE, o ensaio BERNINI: O CRIADOR DE MILAGRES faz parte desta obra
Autor: SIMON SCHAMA
Tradutora: HILDEGARD FEIST
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Abaixo: DAVI