Julian Barnes (Leicester, Inglaterra, 1946) tem talento especial para falar de amor. Talvez seja ainda melhor tratando de suas fragilidades e impossibilidades, assim como dos turbilhões que lhe são contemporâneos. Sabe ser sutil, como exige o bom gosto. Podemos ver isto em muitas obras suas. “A Única História” discute o amor numa relação entre um homem de 19 anos e uma mulher da geração dos pais dele, casada e com filhas de idades próximas à sua, num tempo em que algo assim implicava maiores complicações do que hoje. Quem conta é o homem já na maturidade. A reconstrução do que aconteceu faz-se exclusivamente sob a perspectiva dele. Melhor dizendo, algumas reconstruções. A memória, sua ferramenta, é inescapavelmente imprecisa e também ligeiramente protetora. Ele estava mal provido de uma história de vida enquanto ela já tinha suas sobras quanto a isto. Para ele, naquele momento, o amor era a única história. Não para ela. Barnes usa esta assimetria para levar o leitor a reflexões sobre o amor como expectativa que se esvai no desencontro, um de seus destinos. O que não é nada romântico, mas cria diversas possibilidades de realização, de estruturação de identidade, de preenchimento de vazios assustadores. O inverso especular disto tem efeito semelhante, ou seja, as impossibilidades de realização, a desestruturação das identidades (desnudando a provisoriedade de tantos de seus “itens”) e a permanência dos vazios também servem à formação do indivíduo. Nesta mirada o amor, para além de sentimento intricado, é uma função do viver, a oportunidade de experimentar fundo as contradições mais desconcertantes. Aquilo que encanta e desencanta obriga ao exaustivo trabalho de reconstrução de significações, sempre insuficientes e temporárias. Algo que trai a esperança de permanência, de apaziguamento, de completude. Mas, amar é essencial. E belo. E, em mais de um modo, único.
Título da Obra: A ÚNICA HISTÓRIA
Autor: JULIAN BARNES
Tradutora: LÉA VIVEIROS DE CASTRO
Editora: ROCCO