Desde que surgiu, o ser humano nunca parou de transitar pelo planeta em busca de sobrevivência, melhores condições ou mesmo tentando tornar-se mais íntimo das leis que regem a vida entre seu princípio e seu fim (em que as permanências são somente miragens de quem não sabe que, querendo ou não, caminha). Em alguns momentos da História as migrações tornaram-se quase obrigatórias, por razões variadas. Raramente foram ações fáceis. Imigrar acarreta sucessões de mortes e renascimentos que nunca se completam. Nestes moveres sonhar implica renovação de sentidos e faz brotar forças surpreendentes nas pessoas. Certos projetos concretizam-se. Propiciam bons e maus sabores, duráveis ou efêmeros. Como muitos países, Portugal teve suas ondas imigratórias. Uma das mais recentes deu-se em torno do final dos anos 50 e início dos 60 com milhares de homens mulheres rumando à França, Alemanha e Suíça, entre outras nações. Lá trabalhavam em duras condições, amealhavam dinheiro e muitas vezes retornavam para suas terras de origem, de onde tinham saído extremamente pobres. Adquiriam bens, como casas construídas para atestarem que não eram tão pouca coisa quanto achavam que outros e eles mesmos já haviam sido. Também adquiriam novos hábitos que deveriam afirmar um conhecimento superior, conquistado em experiências estrangeiras. Sofrimentos e derrotas eram sempre enterrados, mesmo que não se desintegrassem. Talvez poucos tenham conseguido livrar-se de flechas pejorativamente discriminatórias disparadas pelo olhar de seus conterrâneos, quando voltavam, assim como do sentimento de inferioridade e mágoa que, habitando recantos profundos de seu ser, nunca se fizeram, neles, estrangeiros. “Livro” do português José Luís Peixoto (Galveias, 1974) trata disto. Como um escritor moderno, criativo e pleno de autenticidade no que diz, Peixoto comemora a oportunidade de transmutar inteligência e conhecimento fartos em refinamento d’alma. A aparência simples do texto pede atenção para que se chegue a seus segredos delicados, distantes das obviedades e das promessas de certezas. Inclusive quanto ao próprio título, “Livro”. Para quem acompanha o autor até a última palavra e derradeiro ponto, estes segredos são revelados ou re-velados, mas não desvelados. O fim é um momento de pausa num percurso que poderá se desdobrar e multiplicar no universo do leitor. Uma obra para nos lembrar das inesgotáveis lindezas contidas nas palavras de quem as sabe dizer.
Título da Obra: LIVRO
Autor: JOSÉ LUÍS PEIXOTO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
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