A matéria em sua radicalidade contém a vida. E também morte. E o que excede vida e morte. Os elementos químicos, uma vez reconhecidos, foram objeto de estudo e de sucessivos esforços de classificação que fosse conforme às propriedades de cada um deles e às leis derivadas de sua posição no conjunto. Desde Antoine Lavoisier em 1789 (talvez antes) cientistas tentaram sistematizações racionais destes elementos. Dmitri Mendeleev e Julius Meyer fizeram grandes avanços neste campo durante o século XIX, construindo o modelo que é aproximadamente o utilizado até agora. Excetuando-se os químicos, poucos detêm-se na reflexão sobre o que são e o que determinam os elementos fundamentais constituintes da matéria. Neles há universos. O escritor italiano Primo Levi (Turim, 1919-1987) foi também um químico. Enxergou uma química ainda mais complexa do que o pensamento científico permitia ver. Mergulhou em profundezas que metafísicas não explicam, onde a solidez da dimensão trágica do inescapável impera. Acompanhando seu olhar focalizamos a fortuidade do viver e a limitação das vontades humanas. Nesta mirada fragilizam-se todas as grandes referências criadas e criadoras de sentidos que se constroem para aliviar angústias cotidianas. As significações revelam-se sempre singulares e perecíveis; a tentativa de dar sentido a certos eventos da vida, um mister digno de Sísifo. A racionalidade parece pairar solta e efêmera sobre os discursos que os humanos constroem sobre si mesmos. Primo Levi foi um corajoso esteta da relação artificial entre o real e as inúmeras artimanhas forjadas para apreende-lo. Tarefa inglória e propensa a falhar, mas, pilar da esperança, bálsamo indispensável para que o ser pensante tolere sua sujeição à brutalidade da matéria ignorante de sentidos. Matéria soberana. Nesta obra que oscila entre a engenhosidade da ficção e o determinismo do relato memorialista (ficção de outra natureza), o autor usa alguns dos componentes da tabela periódica para nomear tangencialmente o que afetou ou constituiu sua biografia. Talvez aplicável à qualquer biografia. Cria beleza que ofusca a ponto de não ser reconhecida. Navega no que viveu. Família, cultura, momento histórico e desconcerto pelo incerto que rege o passado, o presente e o futuro. Um texto profundamente sensível, que dispensa classificações. Mesmo periódicas. Prosa tocante. Curva-se ao que é sobre-humano e sobre-vivente. Nisto agiganta-se. Humildemente.
Título da Obra: A TABELA PERIÓDICA
Autor: PRIMO LEVI
Tradutor: LUIZ SÉRGIO HENRIQUES
Editora: RELUME DUMARÁ
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Que ideia fantástica.
Estamos todo o tempo diante da beleza das coisas no nosso cotidiano. Entretanto, poucos são os ILUMINADOS que conseguem capturar e traduzir essa beleza em palavras. Parabéns ao Primo e a você.
Abs
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Obrigado querido Appolinario
Grande abraço
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Luís é sempre muito agradável entrar em contato com suas sugestões e comentáriosprova indiscutível do seu talento e seriedade, estou no Canadá que me surpreende a cada dia e cada cidade que conheço.
Sua civilidade é admirável. Talvez esse “seja o Brasil que eu queria”.
Assim que eu voltar marcaremos um encontro.
Saudades,
Lauro
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Obrigado querido Lauro. Boa estadia no Canadá. Saudade de você. Gostarei muito de te rever quando estiver de volta.
Um grande abraço
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A mais apaixonante de todas as resenhas que voce já escreveu! 👏🏼👏🏼👏🏼
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Obrigado queridíssima Renata.
Um beijo
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Deu muita vontade de ler. Bela dica!
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Obrigado por comentar Maria
Abs
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