ÀS SEIS EM PONTO

Temos no Brasil bons escritores. Elvira Vigna (Rio de Janeiro, 1947 – São Paulo, 2017) é um exemplo. Legou-nos obras de qualidade incomum, como mostra o romance “Às Seis em Ponto”. Nele encontramos um tipo de lirismo contemporâneo, enxuto. Prosa poética com linguagem simples e sofisticação por todos os lados. Relata uma estória próxima das “cotianidades” de muitos, mas muito distante da trivialidade. Através de um jogo de encaixar, ela desafia o leitor a pensar sobre o que importa no pouco ou muito que se pode ver quando se pretende desvendar (ou criar) sentidos para a vida. Mais uma vez Vigna mostra que contar estórias não coincide com relatar fatos. Estórias costumam ser mais sedutoras em sua rebeldia às precisões. Ela ressalta a impossibilidade de que alguém se aposse inteiramente de seu destino. Fala de vidas mentidas nas estórias, mas desmentidas nos feitos. Diego Vélasquez (Espanha, 1599-1660), pintor genial, mas de aspirações pequenas aparece (não tão incidentalmente) na trama quase como um personagem. A escritora  usa elementos biográficos do pintor espanhol no intuito de grifar a desproporção entre a magnitude da obra e a biografia do autor, como presumivelmente deve ocorrer em muitos outros casos. Na apreciação de Vigna, Vélasquez “estava mentindo, a pintura dele diz que estava mentindo e a mentira é a vida e não a pintura, porque não se mente pintando”. Autora que também pinta ao escrever, denuncia a precariedade da verdade nos discursos com os quais pretende-se dizer quem se é. Invariavelmente mentindo. Quase sem querer. Aponta para a circularidade das narrativas em torno do vazio, na árdua tarefa que se cumpre para omitir a percepção de que o nada tem muito peso. Mas os indícios do nada não cessam de surgir e provocar tormentas. São agentes da verdade que cruzam os caminhos, à revelia do empenho em nega-los. Elvira Vigna exige a companhia atenta do leitor em todo o percurso do livro, para que na leitura ele não deixe escapar o mais importante. Por exemplo, as múltiplas transformações do extraordinário em banal e do banal em extraordinário num mesmo ponto em que se tenta descrever o que se vive. E, com boa disposição, pode-se caminhar bem pertinho dela. Desfrutando de sua delicadeza feminina. E de sua força sem gênero.

Título da Obra: ÀS SEIS EM PONTO

Autora: ELVIRA VIGNA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

ELVIRA

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