EM LOUVOR DA SOMBRA

Até o final da Idade Média o Japão sofreu forte influência cultural dos chineses. Exclusivamente. Muito mais do que ideogramas de seus vizinhos incorporou-se ao mundo dos habitantes do arquipélago. Posteriormente os portugueses e holandeses deixaram tímidas marcas na cultura nipônica. Com a abertura dos portos japoneses, no século XIX, o Ocidente passou a insinuar-se mais incisivamente sobre um modo de vida que, até então, mantinha-se fiel às tradições seculares e sujeito somente a variações decorrentes de eventos internos. Na virada do século XIX para o XX muita coisa mudou. Os costumes e as estéticas do Ocidente passaram a despertar curiosidade nos japoneses. E também receios. Alguns temeram a deterioração dos valores, hábitos, crenças, de um estilo de viver cultivado com tanto zelo.

O escritor Junichiro Tanizaki (Tóquio, 1886- Kanagawa, 1965) viveu em trânsito pela interface entre esses universos tão distintos. Na juventude parecia sentir-se fascinado por elementos do Ocidente. Devido ao terremoto em Tóquio, onde residia, mudou-se para as proximidades de Kyoto, cidade profundamente conservadora. Aparentemente, foi nessa altura que voltou seu foco de interesse para aquilo que provinha de tempos remotos, era estruturante na formação do povo japonês e que parecia ameaçado pelos “estrangeirismos”. Essas interações, contrastes e clima de ameaça tornaram-se tema robusto de parte significativa de sua obra literária. Tanizaki trabalhou pelo resgate da maneira nipônica tradicional de habitar a vida. Ressaltou a beleza da arquitetura típica, dos utensílios domésticos, das vestes, do comportamento, do teatro Nô (que o autor preferia ao Kabuki, por não lançar mão de maquiagem e recursos de iluminação para enfatizar as tramas), dos templos e também dos alimentos. É da estética ancestral japonesa que ele trata em “Em Louvor da Sombra”. Fala, por exemplo, da inconveniência de se lustrar metais como a prata, pois é desejável mantê-los escuros, em sua autêntica transformação determinada pelo tempo. Discute cuidadosamente os usos da luz, mostrando apreço pela iluminação natural e o desagrado com as lâmpadas elétricas. As sombras e escuros devem ser preservados em certos contextos, são bem vindos, por serem parte do sentido da cena, por representarem o tempo que flui e transforma, por serem uma presença e não um vazio. Para ele as lacas, os dourados, e os sushis de peixes brancos exuberam na penumbra.

Outros livros dele abordam, pela via da ficção, questões relativas ao jogo entre a atração pelo novo, que corrompe, e o desejo de manter uma identidade livre de interferências e artifícios de outras terras e mesmo da modernidade local. “As Irmãs Makioka” é um bom exemplo, assim como “Amor Insensato”. O belo essencial, na visão de Tanizaki tem raízes fincadas no passado. Delicadamente, o escritor brinca com suas preferências e as relativiza, dizendo que os idosos sentem saudade do que viveram na juventude e que ele não é exceção. Ainda assim, termina este livro convidando: “E agora vamos apagar as luzes elétricas para ver como fica?”

Título da Obra: EM LOUVOR DA SOMBRA

Autor: JUNICHIRO TANIZAKI

Tradutora: LEIKO GOTODA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS/PENGUIN

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6 comentários

  1. Exata essa resenha! A simplicidade bem pode ser uma meta também para nosso hoperestimulado mundo ocidental. Não como nostalgia, mas sim apontando para o futuro…

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  2. Parabéns pelo Blog, Luis! A literatura preenche minha vida e ler sempre será meu maior refúgio! Divida suas leituras conosco! Se tiver Skoob, gostaria de segui-lo.
    Grande abraço!

    Curtido por 1 pessoa

    1. Muito obrigado por seu comentário Fabiana. Literatura também é muito importante para mim. Se você quiser me seguir no blog há um campo onde você pode registrar seu e-mail para receber automaticamente as futuras postagens. Fico feliz e grato
      Um abraço

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