Samuel Beckett (Dublin, 1906 – Paris, 1989) usou como temas de seus livros algumas das grandes conturbações que testemunhou e que podem ter significados difíceis de aceitar para os que buscam a civilidade entre os homens. Ele assistiu as atrocidades das duas grandes guerras mundiais do século XX. Viu os esforços de pensadores, militantes de ideologias e de outros tipos de “engajados” nos embates para agir, reagir ou ao menos dizer algo diante dos eventos brutais que os assaltavam. Beckett fez também tentativas desse naipe.
Múltiplas interpretações são possíveis para as obras de Samuel Beckett. Talvez ele tenha escrito principalmente para demolir crenças ingênuas nas narrativas que tentavam dar conta do mundo em que viveu. Mirou naquelas que afirmavam sentidos redondos e duradouros demais para a extensão da vida. Atravessou-as, sem se deter no conforto explicativo que poderiam propiciar. Não se furtou ao impacto desorganizador dos fatos catastróficos que podem indicar aspectos aterrorizantes das relações entre humanos. Parece ter entendido o viver como um transitar compulsório por espaços inóspitos e muitas vezes vazio de razão. Compartilhou com seus leitores o desconcerto diante da fragilidade das “boas motivações” nas ações de indivíduos e sociedades.
O pequeno texto ficcional intitulado “O Expulso” trata disso. Utiliza um discurso preciso, mas que pode dar a impressão de vagueza e que é quase o inverso de divertido. Seu foco está na exclusão absurda do indivíduo em seu próprio universo, não esperada e nem aceitável a partir da lógica dos projetos de vida comuns. Algo possivelmente inevitável no enfrentamento da realidade. Por maior grandeza que pareça ter, o mundo acaba por negar um lugar seguro para seu habitante, obrigando-o a vagar perdido. Beckett grifa a insuficiência e precariedade do ser humano com relação aos construtos que elabora almejando razoabilidade no pensar, sentir e fazer. As racionalizações quanto às origens, o passado histórico ou perspectivas de futuro tornam-se propensas a produzir a sensação de inverdade e futilidade intelectual. Simulacros de seriedade e de legitimidade. Onde é criada a impressão de poder, através do exercício da vontade e afirmação de valores, impõe-se a verdadeira submissão ao que é contingente. E isso faz as vezes de uma ontologia insólita da existência humana. A ideia de permanência é somente uma promessa vã. As compreensões produzidas pelo intelecto são instáveis. As teorizações e as filosofias, através de seus interstícios, refletem a magnitude de uma vacuidade trágica. Algo inerente a ser humano. Resta aos personagens, que também somos nós, prosseguir, agir com quase nenhuma certeza, recursos parcos, mas sem poder se isentar da responsabilidade pelo que é e faz. E assim esperar pelo desconhecido.
Uma curiosidade sobre este conto/novela de Beckett é que ele enviou uma primeira parte intitulada “Continuação” para a revista “Les Temps Modernes”, dirigida por Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, mas não avisou que haveria uma segunda. Foi feita a publicação desta parte em 1946 sem que se suspeitasse de que o trabalho estava incompleto. Aparentemente os editores sentiram-se constrangidos com o ocorrido e não publicaram a sequência quando a receberam. “O Expulso” apareceu na íntegra pela primeira vez em 1947, na revista “Fontaine”. Um fato cabível na ficção “beckettiana”.
Título da Obra: O EXPULSO, incluída no volume “NOVELAS”
Autor: SAMUEL BECKETT
Tradutora: ELOISA ARAÚJO RIBEIRO
Editora: MARTINS FONTES
Vou tentar achar esta obra p/ fazer leitura! Adorei a indicação!
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Acho que vale a pena Nanah. A leitura é muito agradável e enriquecedora.
Obrigado por comentar
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