Vergílio Ferreira (Gouveia, 1916-Lisboa, 1996) foi um grande escritor português. Pouco conhecido no Brasil. Merece que o leiamos e que o mundo literário não se furte a reconhecer sua importância. Provavelmente seu romance mais famoso seja “Aparição”, de 1959. Sofisticado, trata preponderantemente de ideias. A narrativa é construída em torno do conceito de “fenômeno”, oriundo do pensamento de Edmund Husserl (1859-1938) e dos acréscimos de Martin Heidegger (1889-1976). Aproximadamente, fenômeno aqui significa a revelação para a consciência, daquilo que há de mais essencial num objeto. O que definiria o objeto em si. E, não se trata de revelação enquanto construto discursivo teórico, mas de uma vivência radical, cuja essência está despida das qualificações, especificidades e particularidades prévias. De certo modo, é uma maneira de pensar sobre a vida ou de revelar parte de suas dimensões, que evita as explicações metafísicas e valoriza a vivência humana. Prioriza aquilo que é passível de ser experimentado diretamente e não tecido de modo indireto e para além do sensível. Esta vertente da filosofia teve grande influência sobre pensadores do século XX. Modelou concepções de mundo. Em “Aparição” há um narrador, Alberto, a quem interessa tratar do impacto que lhe causa o vislumbre do Ser no sujeito que ele é e, quase como decorrência, da apreensão (imperfeita) da natureza da vida. Também explora a constatação da morte enquanto o limite extremo do que é vivo, seu desaparecimento. Morte que não deixa de produzir margens balizadoras para o Ser. Na estória, que se passa quase sempre em Évora, os personagens não têm força dramática própria. Prestam-se antes para falar sobre as posições que o homem pode assumir diante do que estamos denominando fenômeno, da profundidade com que o experimenta, da capacidade de sobreviver ao trauma de ser invadido por algo sobre o que qualquer discurso é falho, insuficiente e tendente à precariedade. Aborda o risco da cegueira dos indivíduos sobre si mesmos e sobre o mundo em que estão inseridos. Alguns podem consoar com a revelação, aparição ou fenômeno e buscar um gozo possível, assumir a humildade libertadora. Outros ficam aprisionados à angústia da consciência de se ser o que não foi criado deliberadamente (por si mesmo ou por outrem), de ser algo que não se pode antecipar, que não se pode conhecer intelectualmente com suficiência. O Ser não é fruto de um projeto. Não cabe em nenhuma psicologia. A constatação de ser se dá como aparição. Fenômeno. A obra tem o mérito de vencer o didatismo. O efeito lírico surge de um linguajar de que só os portugueses são capazes. Fica o travo da dor autêntica de quem precisou disso tratar para alcançar alguma serenidade. Talvez harmonia. Uma leitura para alimentar o espírito (o Ser?). Utilizável como um bálsamo para a experiência do trágico (na concepção grega). Agradeço à minha querida prima Maria Isabel Vieira Lopes de Oliveira, que me presentou com este livro, do qual sempre gostou muito.
Título da Obra: APARIÇÃO
Autor: VERGÍLIO FERREIRA
Editora:BERTRAND(PORTUGAL)
Justo, querido, além de suas ótimas resenhas, me impressiona o volume de livros que você lê e a rapidez e o prazer com que o faz. Você é um exemplo, parabéns! Bj
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Obrigado, querida Valéria. Ler bons livros é um dos meus grandes prazeres. Bj
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excelente BLOG!
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Muito obrigado
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Muito obrigado, querida amiga.
Bjs
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muito bom
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Muito obrigado.
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