LADY MACBETH DO DISTRITO DE MTZENSK

O escritor Nikolai Leskov (Gorókhovo, 1831-São Petersburgo, 1895) foi um observador atento e empático da vida na Rússia em que viveu. Tanto em relação à população urbana quanto rural. Teve ocupações que lhe permitiram conhecer muitas histórias, e também viajou extensamente pelo país. Interessava-se por comportamentos que pudessem servir como referência para configurar a “alma russa”. Era atento a formas de expressão verbal e a concepções de mundo que pudessem ser tomadas como reveladoras de alguma tipicidade nacional. Isso não diminuía a importância que dava ao funcionamento psíquico dos indivíduos e que traduzia aspectos universais da condição de se ser humano. Foi um grande escritor e bastante distinto de outros contemporâneos e compatriotas. A novela “Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk” é uma de seus livros mais conhecidos. Tanto pelas características que o fizeram atraente para leitores de diferentes estratos da sociedade russa e depois mundial, quanto pelo fato de tornar-se obra mal vista pelo establishment soviético durante o stalinismo.  O compositor Dmitri Shostakóvitch (1906-1975) criou uma ópera homônima, cujo libreto era baseado no livro de Leskov e que trouxe-lhe muitos problemas quando Stálin a assistiu.
A narrativa é ágil e sedutora. Catierina,  a protagonista, em princípio submetida à opressão do marido e do sogro, apagando-se no tédio de cumprir tarefas mecânicas para o bom funcionamento de sua casa e privada de satisfação e de reconhecimento pelo que fazia e pela mulher que era, acaba por tomar como amante Serguiêi, um dos funcionários domésticos. Desenvolve por ele intensa paixão. Quando descobertos, ambos começam a assassinar os familiares dela. Em princípio faziam-no para continuarem livres quanto à vida amorosa e depois visando apossarem-se dos bens. Apanhados, são presos e condenados. Ela tolera grandes dores e privações, mas não a perda daquele que lhe possibilitara a mais intensa forma de gozo em sua vida. Com a modificação das circunstâncias Serguiêi deixa de ter interesse por ela, antes apreciada por estar num plano social visto como superior e representar promessas de enriquecimento e ascensão dele, em sua condição de patroa.  O maior pesadelo de Catierina começa com a explicitação do desprezo e das infidelidades dele. Em pouco tempo o homem passa a humilha-la publicamente, em conluio com sua nova escolhida.  Ela se vê em condição de desqualificação pior do que vivera com o marido. Dominada pelo ódio, mata sua rival, e acaba morrendo também na execução de sua vingança.
Uma estória de estrutura simples. Todavia, impactante e que permite desdobramentos dos planos de leitura. Drama e tragédia mesclam-se para mostrar os aspectos mais cruentos do funcionamento psicológico dos personagens. Ganham força a rudeza e as reações cruéis à frustração. Os sentimentos são despidos de qualquer delicadeza. Neste bojo, é abordada a quase inescapável opressão da mulher, para a qual pouco restava além de aquiescer sempre e sucumbir à iniquidade e violência na relação com o homem. A personagem central, de inspiração shakespeariana, encontra um caminho de extravasamento, talvez um simulacro de libertação, o qual segue de modo determinado e cego para o que não fosse seu objetivo final. Traça-se na busca de realização peremptória da destruição como solução derradeira. Sem adiamentos, mitigações ou transposições interpretativas. Viver ou morrer são questões secundárias comparadas com a urgência da retaliação. O futuro não tem extensão. A ação é cega para qualquer outra coisa. Não há lugar para considerações de cunho ético mais amplo. Não há comedimento. Só força bruta. Luta desmedida por experimentar um certo poder, o único que parece restar.
Refletindo possibilidades humanas universais, a novela também ilustra peculiaridades de uma cultura num momento através dos “modus operandi”. Sem grande proximidade com Tolstói, Dostoivéski ou Turguêniev, Leskov é profundamente um russo de seu tempo. E humano, em qualquer tempo.
Título da Obra: LADY MACBETH DO DISTRITO DE MTZENSK
Autor: NIKOLAI LESKOV
Tradutor: PAULO BEZERRA

Editora: 34

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