O escritor José Saramago (Azinhaga do Ribatejo, Portugal, 1922 – Lanzarote, Espanha, 2010) teve excepcional capacidade para captar questões essenciais do viver, universais. Todavia, não prescindiu nunca das matrizes que fazem de alguém um português e do modo muito próprio que se tem naquela terra de suportar ( talvez transmutar) as insalubridades da vida. Em grande medida, isto caracteriza sua arte. Sua obra pode ser dividida em duas fases: antes e depois de seu livro “Levantado do Chão”. Daí em diante tornou-se esteticamente distinto de tudo o que o precedeu na literatura lusófona. Inclusive dele mesmo. Recusou a forma convencional de narrar. Subverteu as normas de pontuação para melhor falar das imprecisões e imprevisibilidades no que os homens falam e fazem. Escavou tesouros disfarçados na aparente aridez da comunicação entre pessoas. Sem nenhum vestígio de pieguice, falou com lirismo sobre elementos que dão consistência às vidas singulares de todos nós. Resgatou o que se perde na “cotidianidade” e enriqueceu-nos com aquilo que já tínhamos, mas não víamos. Extraiu magia da dureza corriqueira, sem se despregar do chão, em que vivemos todos. Foi irreverente com a religiosidade, e hostilizado por isto. Descrente do homem institucionalizado nas estruturas sociais. Não abusou da metáfora. Usou com fartura a alegoria. Aludiu a muitos criadores, como Fernando Pessoa e Platão. Homenageou-os. Gosto de quase tudo o que ele escreveu nesta segunda fase da carreira literária, especialmente de “Memorial do Convento”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “A Caverna” e “Caim”. Ler Saramago é uma oportunidade de exercitar e de dilatar a sensibilidade, de aguçar o olhar empático para o mundo. E, de constatar que um lado da verdade só pode ser alcançado através da ficção.
JOSÉ SARAMAGO

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