Os bons textos ficcionais permitem múltiplos níveis de leitura. As pluralidades interpretativas e funcionais são propriedades da comunicação, nas linguagens e línguas. E estas são fundamentais para as realizações humanas. Com este mote, o francês Laurent Binet, já premiado anteriormente com o Goncourt, lançou em 2015 um interessante romance que trata de temas derivados dos estudos da linguística. Travestido de policial e com boas doses de humor, o bem informado e criativo livro de Binet brinca com as possibilidades de uso da linguagem ao mesmo tempo em que tece observações criticamente mordazes sobre parte do mundo intelectual francês da segunda metade do século XX, especialmente focadas em pensadores que se ocuparam da linguística em algum momento de suas carreiras. Faz graça com o intelectualismo pretensioso e sedutor, fazedor de mitos, mas apoiado em construtos um tanto mambembes, embora bem “embalados”. O ponto de partida é a morte de Roland Barthes por atropelamento ao sair de um almoço com François Mitterrand, então candidato à presidência da França. Foi um acidente e realmente ocorreu como está descrito na trama de Binet. A fantasia principia na conjectura de que ele teria sido assassinado. A razão para isto seria o fato de Barthes portar e conhecer o conteúdo de um documento sobre uma função inédita da linguagem identificada tardiamente por Roman Jakobson, um dos “pais” da linguística. Esta função seria num instrumento de poder extremamente valioso, pois dotaria quem a conhecesse da capacidade de convencer os outros de qualquer argumento que desejasse. Indivíduos e populações tornar-se-iam passíveis de serem transformados em marionetes. São postas na cena ficcional figuras como Michel Foulcault, Julia Kristeva, Louis Althusser, Philippe Sollers, Jacques Derrida, entre outros. Humberto Eco não foi esquecido. Eles aparecem como personagens da trama inventada mantendo as identidades verdadeiras e com algumas de suas “ideias chave” citadas literalmente, a partir do que são criticamente descritos pelo autor. Por exemplo, Athusser é sutilmente apresentado como alguém que não tinha o conhecimento que acreditavam que tivesse e como uma pessoa afetivamente superficial, entre outros traços que sugerem que ele era um perverso ao invés de psicótico, como foi diagnosticado e através do que foi considerado inimputável ao assassinar a própria esposa (fato realmente ocorrido). Em todo o texto o autor lança mão dos recursos linguísticos para induzir o leitor ao exercício reflexivo enquanto se diverte e adquire informações. As citações são saborosas mesmo quando são somente produto da fértil imaginação de Binet. O desvendamento que verdadeiramente importa não é o de um possível crime e sim dos mistérios criados em potenciais de expressão comunicativa. Muitas questões teóricas são “trabalhadas” com leveza, e tornam-se palatáveis. Um entretenimento sofisticado e enriquecedor. Não é só passatempo.
Título da Obra: QUEM MATOU ROLAND BARTHES?
Autor: LAURENT BINET
Tradução: ROSA FREIRE D’AGUIAR
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS