AUTOIMPERIALISMO

Benjamin Moser, o autor americano da melhor biografia de Clarice Lispector já escrita, havia demonstrado ser capaz de análises profundamente inteligentes quando nos contou sobre como ela viveu e, mais ainda, quando analisou sua obra. Seu interesse pelo Brasil levou-o a descrever algumas observações sobre outros personagens e situações. Moser declara que não é um “brasilianista”. E, ao escrever estes três ensaios não lançou mão de linguagem ou postura de acadêmico (que realmente é). Também por isso, o que diz torna-se tão interessante. O título do ensaio, que dá nome ao pequeno volume “Autoimperialismo” traz possivelmente a ideia mais instigante em sua tentativa de compreender a razão do Brasil não ter deixado nunca de ser “o país do futuro”. Ele vê uma espécie de incessante “canibalismo” através do qual o país não cessa de se auto invadir e entredevorar, buscando colonizar a si mesmo. Ilustra com casos como o do empresário que destrói a natureza para conseguir ganhar altas somas, o político/administrador público que desaloja moradores de um bairro pobre para pô-lo abaixo e construir algo de grande volume modernoso, talvez inútil, criando a impressão de arrojo no eleitor e interpretando sua pantomima numa estratégia populista, os policiais invadindo favelas, os favelados tomando de assalto as praias para fazer arrastões, saqueando e apavorando seus frequentadores, e por aí vai. Associa esta característica, que chama de autofágica, ao fato da violência ser tão alarmante, mas de controle sempre mal sucedido entre os brasileiros. De modo bastante curioso ele avalia Brasília, incensada (por outros) como protótipo do modernismo arquitetônico como sendo quase o contrário disto. Vê a cidade como opressora de seus habitantes, que não conseguem se locomover com facilidade, pois não há calçadas que permitam às pessoas andarem sem ser através de veículos motorizados, diminuindo a interação entre elas. O indivíduo tentando se adaptar às edificações, ao invés destas serem planejadas para atender suas necessidades. Qualifica a obra de Oscar Niemayer como fruto de uma ideologia totalitarista. Refere o fato dele ser admirador explícito de ditadores, citando mesmo as falas do arquiteto em defesa de Stálin, a despeito das atrocidades por ele cometidas contra os milhões de cidadãos russos durante seu governo. Alude à incompreensão (ou à negligência proposital) do que realmente seriam Direitos Humanos, tão incoerentemente alardeados . Aponta para a situação em que o ser humano é constantemente prejudicado pelas forças do Estado, que dificilmente estão a serviço do cidadão. Entende a feiura urbana no Brasil não como fruto da pobreza (salienta que o país não é verdadeiramente pobre), mas sim do tipo de mentalidade que se constituiu no seio do povo, que apoia a construção de caríssimos estádios de futebol em detrimento do saneamento básico imprescindível para a saúde (talvez até por não ter noção da importância disso). Menciona “o vácuo moral e intelectual no cerne da elite política”. Mesmo que possamos discordar de seus pontos de vista, é uma leitura que aguça o pensamento crítico. Título da Obra: AUTOIMPERIALISMO Autor: BENJAMIN MOSER Tradução: Eduardo Heck de Sá Editora: EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA

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4 comentários

  1. Luis, o livro me surpreendeu exatamente por seus pontos levantados. Embora seja impossível concordar com tudo de Moser, afinal ele mesmo se coloca como um observador crítico e não como um pesquisador essa ideia do “autocanibalismo” brasileiro para mim ilumina o problema da violência no estilo brasileiro. São 60.000 brasileiros exterminados por ano… pelos próprios brasileiros.
    José Paulo Fiks

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  2. Obrigado por seu comentário Fiks. Parece-me mesmo urgente que a sociedade discuta a violência, ultrapassando os argumentos que já se tornaram estereotipados e pouco úteis para mudanças necessárias

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