MAIS UMA VEZ, OLIVE

A vida cotidiana contém universos que podem passar despercebidos. É difícil aquilatar o valor daquilo que dá corpo ao dia a dia. Também é tarefa árdua entender suficientemente as pessoas, no que são e no que se transformam ao longo do tempo. O excepcional tende a ter mais peso nas biografias, parece conferir-lhes visibilidade se são publicizáveis. Todavia, eventos extraordinários costumam ser raros na maioria das trajetórias e quando ocorrem são privados, impactando um pequeno grupo de pessoas ou até uma única, sem se converterem em assunto público. Acontecimentos tomados como corriqueiros podem ter significados insuspeitados e gente comum expressar o mais verdadeiro e fundamental entre os humanos. É o contexto no qual os sentimentos são levados a sério, a realidade é íntima e tão poderosa que reduz as idealizações a ruídos incidentais. Tentativas de racionalização oscilam entre discursos afirmativos que tentam resistir à complexidade com que o viver se desdobra e uma espécie de rendição franca e silenciosa. Mas persiste a necessidade de alcançar sentidos para o que se vive. A liberdade de escolha nos caminhos por onde se anda não é algo garantido, costuma ser mais exceção do que regra. Cada um é como é, em grande parte do que é. Responsabilidades a respeito disto são intransferíveis, é imprescindível assumi-las. Há que se ter boas vistas para enxergar e coragem para aceitar isto, como Elizabeth Strout (Portland, EUA, 1956) tem mostrado em seus livros.

“Mais Uma Vez, Olive” é o romance que dá sequência a “Olive Kitteridge”, pelo qual a autora ganhou o cobiçado Prêmio Pulitzer. Os dois têm a mesma estrutura: capítulos que parecem contos, relativamente independentes entre si. A presença de Olive Kitteridge, ainda que em posições muito diversas em cada um deles, costura-os, torna-os elementos de um todo que produz sentidos que não cabem nas partes isoladamente. É um livro muito sofisticado (ambos são), embora em sua construção Strout use linguagem direta e simples, além de contar de modo envolvente as estórias que dão esteio ao que ela pretende dizer. O leitor segue a vida da protagonista e viaja por fragmentos das vidas de uma gama extensa de personagens, moradores da pequena cidade ficcional de Crosby, no Maine, Estados Unidos. Um lugar minúsculo e bonito, que representa a tradição estado-unidense na parte da nação formada por colonizadores europeus. Perto dali está a cidade de Shirley Falls, onde vive um grupo grande de somalis (que aparecem em outro livro da autora, “Entre Irmãos”) e a interação entre os descendentes de irlandeses e escoceses e o povo africano refugiado também é mencionada neste romance. Paisagem e habitantes combinam-se, formando um painel que é continente para temas nada provincianos.

Olive é uma das personagens mais marcantes da literatura contemporânea em língua inglesa. Mulher rígida em valores, conduta e modo de interpretar o mundo. Pouco dada a gestos simpáticos, é sempre um pouco marginal nos cenários sociais, que exigem alguma hipocrisia como passe para livre circulação. Nada autocomplacente. Às vezes rude, mas sem a arrogância de certezas que transcendam suas crenças e mesmo aparentando intolerância, esta se dissolve na aproximação do leitor. Sempre errando e aprendendo, assim como acerta, buscando acertar ou involuntariamente. De perto é adorável.

Elizabeth Strout conquista quem a lê sem fazer concessões de estilo para seduzir. Quando diverte parece não ter a intenção disto. É sutil e profunda naturalmente, não faz jogos para aparentar erudição. Fala sobre aquilo que costuma tornar a vida um tanto difícil, em quase qualquer vida. Mas também dá lugar aos aspectos que a tornam valiosa. É precisa. Nada do que trata é banal, embora seja familiar para a maioria das pessoas. As estórias passam-se em Crosby, dentro de casas comuns, mas o que ela diz nesse espaço abrange o mundo.

Título da Obra: MAIS UMA VEZ, OLIVE

Autora: ELIZABETH STROUT

Tradutora: SARA GRÜNHAGEN

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS       

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