LEITURA E PENSAMENTO CRÍTICO

“Pensamento crítico” é um termo empregado de diferentes modos e com significados muito diversos entre si, conforme referenciais utilizados. Aqui o recorte está na busca de capacidades que ampliem o instrumental do intelecto para testar veracidade na percepção da realidade e a pluralidade interpretativa na formação de “visão de mundo” de cada um. Para precisar um pouco isso, servem de guias a procura constante de informação e exercícios corajosos em sua interpretação, as possibilidades de avaliação extensa nas observações e experiências cotidianas, checagem constante e eventual refutação das crenças construídas ou assimiladas a partir do que outros creem e um ceticismo respeitoso dirigido ao que se aprende através dos processos de educação, em larga acepção. Apesar da inclusão de vários aspectos para falar do que tomo por “pensamento crítico” há aqui muitas limitações de conceitualização.

O hábito de leitura não está necessariamente vinculado à boa qualidade do que se lê (em que pese o fato de a determinação dessa qualidade ser relativamente complexa e não dever depender de estereótipos). Ler pode ser algo feito com multiplicidade de aspirações e resultados: diversão e prazer, aquisição de conhecimento de algum assunto, melhoria e sofisticação no uso de uma língua e nas habilidades de expressão, contato com diversidade de ideias e de seu uso para alcançar maior abrangência cognitivo/afetiva para pensar, etc.

Um benefício dos mais importantes que se pode obter com as boas obras literárias é o alargamento do entendimento do mundo e de si mesmo. Elas contribuem para a aquisição e transformação de noções sobre muitas coisas. Novos dados são coletados, ganha-se competência na apuração e contextualização da informação e aptidão para interpretar o que é lido ou mesmo do que chega através de outros meios que não a leitura. Todavia, não é qualquer texto que enriquece, dependendo do que se espera da leitura. Além das características objetivas do que está escrito existem outros fatores que contam para que ler seja um meio de capacitação para enxergar melhor o que se vê, incluindo o fomento do pensamento crítico. Conta o investimento afetivo/volitivo que se faz ao ler: a curiosidade, o desejo de saber mais, a diligência para compreensão daquilo que não fica imediatamente claro e o manejo da polissemia potencial de sentidos nas palavras, frases e textos.

Aprender a escolher o que se vai ler é importante. E isso depende mesmo de um processo de aprendizado por caminhos nem sempre regulares. Os aspectos lúdicos são positivos, mas podem representar somente uma parte do que é interessante na escolha. A maquinaria que funciona para eleger um livro não é dada à exatidão. É complicado e arriscado classificar algo como bom ou não bom, mas é relativamente natural fazer isso. Forma e conteúdo do que se lê entram nesse sopesamento. É razoável acreditar que há apreciações apoiadas em critérios mais iluminadores do que outros de acordo com os objetivos almejados. O que não descarta uma importante dimensão subjetiva e intuitiva no avaliar. Há muita pluralidade quanto às necessidades individuais, interesses e gostos dos leitores em suas singularidades. Os diferentes momentos da vida em que essas avaliações são feitas podem levar a conclusões diferentes quanto ao que é considerado bom ou não bom. É prudente não descartar uma obra em caráter definitivo. Acolher opiniões de outros e ponderar, sem ter impreterivelmente que as seguir, pode ser estimulante. Daí serem bem-vindas a leitura de resenhas e críticas ou trocas de impressões.

É possível desenvolver bastante algumas áreas do funcionamento mental através do trafegar por espaços literários mais complexos e mais nutridores, mas que exigem esforço. Tem relação com um tipo de crescimento. Os prazeres também se modificam nesse percurso. E eles sempre importam.

Ainda com respeito ao pensamento crítico, passamos a contar com mais recursos através das boas leituras. Boas pela qualidade dos textos ou livros e pelo aproveitamento delas. É desejável que nos informem e expandam nossa capacidade reflexiva. Se formos bem sucedidos ganhamos elasticidade para o exercício da ética no imprescindível questionamento dos valores morais que assumimos, o que acarreta fortalecimento necessário para mudarmos de opinião quando a que tínhamos fica desacreditada por nós. Adquirimos recursos para não cair facilmente em armadilhas de fanatismos. O desenvolvimento do pensamento crítico geralmente leva-nos a suspender certezas e à prontidão para a articulação de questões relevantes. Nossos saberes tornam-se mais plásticos, provisórios. Provavelmente passaremos a ser mais sábios do que éramos através dessa plasticidade bem fundamentada e responsável.

Enfim, o que expus é meu modo de entendimento. Certamente há outros diferentes e igualmente válidos. E todo o dito sobre leitura mira a literatura não técnica, as considerações foram feitas com vistas especialmente para a ficção literária em prosa, ensaios, crônicas e para a poesia.  

Cito alguns autores dos quais gosto e que considero importantes para minha formação: Machado de Assis, Lúcio Cardoso, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Philip Roth, Fernando Pessoa, Ian McEwan, Julian Barnes, José Luís Peixoto, Miguel Torga, Agustina Bessa-Luis, Monteiro Lobato, Jorge Luís Borges, Raduan Nassar, Michel Houellebecq, Julio Cortázar, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, António Lobo Antunes, José Saramago, Isaac Bashevis Singer, Alice Munro, Elizabeth Strout, Amós Oz, Thomas Mann, Leon Tolstói…

A ilustração é foto de uma tela do artista plástico Aleksandr Deyneka (Rússia, 1899-1969)

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4 comentários

  1. Olá, fiquei absolutamente tocada com teu texto. Achei incrível e que explicita exatamente o que me levou a divulgar no meu Podcast Saúde Mental Vivências, um livro por mês, na sua maioria a partir do teu blog. Meu contato contigo e a generosa troca de ideias corrobora o que escrevestes. Vou incluir este texto no próximo Podcast.

    Algo que me chama a atenção- não colocas categoria nas tuas publicações. e sai publicado “Sem categoria” . Não seria “resenhas” e “comentário autoral” ou algo parecido?

    abs fraterno

    Curtido por 1 pessoa

    1. Muito obrigado pelo comentário Cristina
      Fico feliz por você ter gostado e por incluí-lo no podcast
      Agradeço também pela boa sugestão de mencionar a categoria da publicação.
      Um abraço fraterno

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