AS SINHÁS PRETAS DA BAHIA: SUAS ESCRAVAS, SUAS JOIAS

O termo “sinhá” é definido no Dicionário Houaiss como “forma de tratamento com que os escravos designavam a senhora ou patroa”. De modo geral essa relação é concebida entre escravo ou escrava pretos e as patroas brancas. O antropólogo Antonio Risério (Salvador, 1953) no ensaio “Sinhás Pretas da Bahia: Suas Escravas, Suas Joias” mostra que se ignoram aspectos importantes da realidade da época do escravagismo no Brasil, assim como do que se deu posteriormente. Usa como mote a existência de ricas senhoras negras alforriadas na Bahia, que tinham escravos também negros, além de ostentarem outras formas de riqueza, durante período colonial. Todavia, não se restringe a isso.

Risério desloca da pauta mais esquemática e reduzida, focada na submissão maciça imposta ao negro pelo branco europeu, o entendimento do que ainda é menos evidente em contextos vigentes no período de escravagismo no Brasil.

Os africanos trazidos forçadamente para o Brasil eram de diversas etnias, nacionalidades e línguas, dentre os muitos povos da África. Mesmo tendo sido todos escravizados, ocupavam espaços sociais diferentes, variando principalmente quanto ao ambiente de trabalho: rural, doméstico ou urbano fora da casa de seus senhores. Tal heterogeneidade determinou percursos distintos dos indivíduos e grupos. Os que desfrutavam de maior liberdade de circulação e de interação com o mundo eram os que viviam nos centros urbanos, em especial aqueles que tinham sua força de mão de obra alugada a terceiros por seus senhores. Eles acabaram por conquistar privilégios quase impossíveis para seus “irmãos de cor” levados para fazendas agrícolas ou encerrados nas casas dos que detinham a propriedade sobre eles. Os citadinos podiam ter alguma participação em atividades comerciais e receber dinheiro para si mesmos. Além disso, participavam mais largamente das irmandades/sociedades africanas no Brasil, que se tornaram núcleos de convívio, de práticas religiosas e de ações solidárias, com grande peso na preservação da cultura e depois nas compras de alforria (libertação do jugo, que poderia ser automática, em poucos casos, ou paga, na maioria). As interações entre escravizados e seus proprietários eram bem mais complexas do que o comumente relatado. Embora maus tratos fossem comuns, havia modos aproximadamente opostos de convívio entre uns e outros. Em muitos casos havia ligações cordiais ou mesmo amorosas, amasiamento, relacionamento sexual consentido, hetero e homossexual (inclusive entre senhoras e suas escravas) e casamentos. Os filhos gerados nesse contexto, em muitos exemplos, tornaram-se herdeiros dos bens de seus pais juntamente com irmãos brancos. Alguns antigos escravos vieram a ser pessoas ricas. Desse grupo fizeram parte as denominadas sinhás pretas da Bahia, das quais nos fala o autor. Tanto na condição de escravas como de libertas as pessoas ganhavam dinheiro de diferentes formas. Uma das mais surpreendentes era participação no comércio escravagista. Também passaram a ter acesso à educação formal. Uma curiosidade: enquanto a elite branca enviava seus filhos para estudar em Paris, a elite negra enviava-os para a África, para adquirirem conhecimento da cultura e religião.

Ter acesso aos bens de consumo época também contribuiu para mudar a posição dos forros (escravos libertos) no tecido social. Alcançaram maior respeito, despertaram inveja e encontraram caminhos para exercício de poder. Compartilharam ideias e princípios da classe dominante. As mulheres foram alforriadas em maior número do que os homens. Coube a elas um certo protagonismo na formação de novos grupos familiares e da constituição e uso de saberes na condução da vida, que se modificava bastante. Havia matrifocalidade dentro das famílias originadas na união entre homem e mulher e foi notável o surgimento de grupos familiares constituído por mulheres, sem participação de maridos ou de amantes masculinos. Algumas das senhoras, de ambos os grupos, tornaram-se poderosas pelo lugar que ocupavam e pelos bens que possuíam, incluindo quantidade considerável de escravos, assim como de edifícios para serem usados como moradias ou alugados e fartura de joias.

Muito interessante no ensaio histórico/sociológico-antropológico de Antonio Risério é a recusa aos estereótipos. Conta muita coisa interessante num texto de agradável leitura, evitando repisar informações, também válidas, sobre africanos e descendentes, enquanto vítimas de uma sociedade com a qual não se identificariam e na qual teriam lugar extático. Ao contrário disso, ele aponta para o dinamismo e a riqueza de nuances, tanto numa dimensão circunstancial quanto mais universal ao lembrar que seres humanos têm muito em comum, independentemente de cor, raça, etnia ou nacionalidade, em coisas boas e ruins. Ambições e ações de dominação/exploração do homem pelo homem atravessam o tempo e as geografias espaciais e humanas.

Usar essa perspectiva para ampliar a compreensão de um conjunto de situações da História brasileira e mundial talvez seja um modo mais livre e inteligente de olhar para problemas humanos que devem ser abordados no intuito de construir sociedades mais justas. Sem sectarismos.

Título da Obra: AS SINHÁS PRETAS DA BAHIA: SUAS ESCRAVAS, SUAS JOIAS

Autor: ANTONIO RISÉRIO

Editora: TOPBOOKS

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6 comentários

  1. Olá!

    Agradeço o comentário de mais um livro. Fico até agoniada querendo ler tudo. Mas estou com uma fila de trabalho de praticamente 4 meses parada por conta de não ter me acertado com novos óculos, pós cirurgia de catarata (que foi ótima). Não preciso de óculos para longa e média distância, mas precisava e finalmente consegui os óculos de curta distância.

    Aproveito para enviar meus votos de Boas Festas. E que em 2023 possamos abraçar mais, demonstrar mais afeto!

    Abraço fraterno

    Cristina

    Curtido por 1 pessoa

    1. Muito obrigado pelo comentário e por seus bons votos, querida Cristina.
      Tomara que agora o problema dos óculos seja resolvido
      Felizes Festas para você e toda a família também e que em 2023 tenhamos muitos abraços e afeto
      Um beijo
      Luis

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