DEIXEI ELE LÁ E VIM

Elvira Vigna (Rio de Janeiro, 1947 – São Paulo, 2017) criou um estilo próprio para compartilhar com o leitor uma visão de mundo. E, talvez para poder respirar em espaços de ar escasso. Seus livros são tão marcantes nesse sentido que é difícil duvidar da ideia de que ela é a maior protagonista deles, autêntica e muito viva. Brilha pela perspicácia e agudeza naquilo que deixa entrever ao invés de exibir “por inteiro”, evitando ostensivamente um tipo enganoso de revelação. Assim é “Deixei Ele Lá e Vim”, publicado em 2006.

Nesse romance trama e personagens são fluidos, cambiantes, fazendo com que se esteja sempre em dúvida sobre o que estaria acontecendo na verdade ficcional e quem seria ator do que parece ocorrer. Os nomes próprios são imprecisos e mudam no fluxo da narrativa. Em consonância com isso, não há nitidez em nas identidades. O que parece estar sendo construído passa por inevitável desconstrução. Como as ondas do mar na praia em que se passa parte da estória. Todavia, o texto não tem nada de confuso. É como se ao escrever Vigna se deixasse guiar com rigor pelas forças que dirigem os vivos, aqueles que ainda não estão cristalizados em uma história linear e fechada. Tais forças impulsionam para os destinos incertos e são frequentemente e com alguma intenção ignoradas. Criam fios condutores que guardam muito mistério quanto aos propósitos do que se torna ação, sem constância de tônus nem de rumo. Resumir o enredo seria uma forma de corrupção da leitura e do comentário sobre ela. É mais importante convidar a dar atenção ao que a autora diz, ao que ela é capaz de ver, mesmo que não compreenda (e ela não finge compreender).

Vigna não se propôs a divertir uma amplo espectro de leitores e menos ainda a oferecer interpretações sólidas e confortantes, tão buscadas, sobre aquilo que acomete os que vivem, sentem e agem. Ela manteve-se fiel à percepção do quanto os humanos não podem entender daquilo que experimentam, neste livro e em vários outros. Sempre com refinada ironia e transitando pela noção grega de tragédia. Deste modo ela dá muito, recompensa os que a leem. Uma escritora ímpar e, infelizmente, ainda não tão conhecida quanto merece ser.

Título da Obra: DEIXEI ELE LÁ E VIM

Autora: ELVIRA VIGNA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS   

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