MINHA IRMÃ, MEU AMOR

Famílias e o meio em que se vive podem ser disfuncionais por muitas razões diferentes. Indivíduos isoladamente também. Problemas nos relacionamentos interpessoais costumam ser mais regra do que exceção. E há casos verdadeiramente trágicos. Em “Minha Irmã, Meu Amor”, Joyce Carol Oates (Lockport, EUA, 1938) inspirou-se num evento real para montar a trama e fazer uma ácida crítica da adesão ferrenha a certos valores e modos de interação social. A destrutividade das pessoas pode ter magnitudes insuspeitadas à primeira vista. E, pensando-se em reparações, para algumas parece ser quase impossível fazer mudanças no modo deletério de funcionamento, devido a incapacidade para crítica, ignorância, uma espécie de hipertrofia narcísica e, especialmente, falta de implicação e assunção de responsabilidades no que se passa na realidade imediata, assim como de sentimento efetivo de culpa por danos causados a outros. A estória é narrada por um adolescente que teve sua irmã assassinada aos 6 anos, quando ela era cultuada como exímia patinadora e uma “miss mirim”. O jovem temeu ser culpado da desgraça durante vários anos, sem saber exatamente como, até que chegou à elucidação do que se deu. É o único personagem afetado seriamente por este tipo de preocupação. A autora não pretendeu escrever um romance policial e sim descrever comportamentos associados a deformações individuais com graus variados de malignidade e também a forças sociais cujos desdobramentos podem ser extremamente graves em diversos níveis de consideração. A violência revela-se o instrumento primaz em relacionamentos encapados com aparência amorosa e também é um fruto da negligência. Por mais que a trama fale da psicopatia de alguém e não só de problemas mais usuais de convivência, o pano de fundo é a perversão exercida coletivamente. Na visão da autora, isto implica o estilo de vida próprio de uma elite e padrões de crenças e normas mais amplos vigentes nos Estados Unidos (o que certamente seria aplicável a outras sociedades). Este assunto é explorado exaustivamente por Oates. Com tal intensidade ou obsessão, que a leitura torna-se árida e o discurso meio redundante em certos momentos. O livro tem mais de seiscentas páginas e às vezes parece que a escritora pretende convencer o leitor de seus argumentos com uma tática um tanto sádica, quase castigando-o. Apesar disto, suas críticas são cabíveis e, mais do que uma especificidade cultural norte-americana, mostram o potencial monstruoso dos seres humanos, que pode transformar-se em atos concretos no contexto apropriado. Aptidão que não é para ser entendida somente como uma nota de rodapé de vida.

Título da Obra: MINHA IRMÃ, MEU AMOR

Autora: JOYCE CAROL OATES

Tradutora: VERA RIBEIRO

Editora: ALFAGUARA  

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3 comentários

  1. Ano passado li meu primeiro romance da autora, Vida de Rata e que leitura! Recomendo fortemente, é de tirar o fôlego pelos temas e pela forma abordada. Já quero ler outros dela.

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  2. Não sei se já leu, mas acho que vc iria gostar do romance O Amigo de Infância da Donna Tartt. Uma menina de 12 anos, no Mississipi, procura descobrir o que houve quando ela era um bebê e seu irmão desapareceu enquanto brincava no quintal. Parece policial mas o livro aborda como esse acontecimento repercutiu na vida dessa família.

    Curtido por 1 pessoa

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