A IMPERATRIZ DE FERRO

Cixi (Pequim, 1835-1908), imperatriz viúva da China que governou o país por várias décadas parece ter sido antes de tudo uma pessoa excepcionalmente interessante. Ao menos no retrato que Jung Chang (Yibin, China, 1952) faz dela na biografia intitulada “A Imperatriz de Ferro”. Certamente uma narrativa como esta comporta muitas interpretações da autora que não têm correlação exata com a vida íntima e as motivações da grande estadista. Nenhum relato biográfico pode ser preciso, nem mesmo as autobiografias. Todavia, Chang fez vasta pesquisa e soube usar com maestria elegante os dados fatuais. Cixi era inicialmente uma concubina de posição inferior dentre as muitas mulheres do imperador Xianfeng (Pequim, 1831 – Chengde, 1861). Oriunda de uma família antiga de aristocratas da Manchúria foi eleita para o harém quando tinha 16 anos. Passou a fazer parte da dinastia Qing, de etnia manchú, que esteve no poder por mais de dois séculos. Em razão de ser mãe do único herdeiro do trono adquiriu maior prestígio e poder na corte. Relacionava-se muito bem com Zhen, a imperatriz titular sem filhos. Quando Xianfeng morreu Cixi e Zhen eram ainda muito jovens e de idades próximas. A concubina era a mãe biológica do futuro imperador e a imperatriz era a mãe por tradição. Cixi, que demonstrou notável inteligência desde a infância, arquitetou, junto a outros aristocratas e à imperatriz, um golpe de estado para que as duas viúvas se tornassem regentes no lugar de um grupo de homens apontados pelo marido para esta função. Elas passaram a ser denominadas imperatrizes viúvas. Foram amigas e parceiras na governança até a morte de Zhen. Cixi desejava modernizar a China, mesmo conservando grande respeito pelas tradições culturais e religiosas. Percebia, ao contrário do marido e de muitos nobres, que seria necessária uma abertura para relações com nações estrangeiras. O País era fechadíssimo até então. O mundo e a China eram estranhos entre si. Temiam-se. Suas ideias reformadoras deram norte para quase tudo o que fez durante os muitos anos em que governou. A tradição obrigou-a a retirar-se do poder em dois períodos, o primeiro quando seu filho Tongzhi (Pequim, 1856-1875) tornou-se imperador e posteriormente quando o sobrinho, adotado por ela como herdeiro aos três anos após a morte precoce do próprio filho, subiu ao trono. Este, chamado Guangxu (Pequim, 1871-1908), afastou-a da corte na Cidade Proibida, impedindo totalmente sua interferência e acesso a informações. Após seu envolvimento num complô para assassina-la ela conseguiu transforma-lo veladamente em prisioneiro e assumiu novamente o governo até sua morte.  Durante o isolamento de Cixi houve uma guerra provocada pelo Japão. O vizinho parecia desejar dominar o Oriente. Nessa ocasião as fragilidades chinesas ficaram evidentes e isto serviu para que diversos países na Europa, além do Japão, tentassem conquistar regiões do País. Até então, somente as Guerras do Ópio com Grã Bretanha, causadas pela pressão desta para vender na China a droga cultivada na Índia, haviam implicado ameaça concreta. Depois da agressão japonesa não houve mais tranquilidade quanto à integridade territorial. Os perigos provenientes do mundo externo e revoltas internas adquiriram tal magnitude que desestabilizaram os movimentos modernizadores da imperatriz viúva. Contudo, o ousado espírito renovador dela manteve-se aceso e voltou à carga na última década de seu governo. Antes de morrer envenenou o filho adotivo, que estava gravemente doente e que já tinha pretendido matá-la, por temer que ele “entregasse” a China ao Japão. O sucessor, Puyi, foi o último imperador da China, que passou a ser uma república em 1911. Em meio a todas as conturbações que viveu, Cixi modernizou e enriqueceu a China. Desejava transformar o regime político administrativo de autocracia para uma monarquia constitucional (embora não tenha podido concluir isto em seu tempo de vida), transformou os sistema educacional e diminuiu o quase total analfabetismo da população, fomentou o progresso tecnológico como transporte ferroviário, telégrafo e outros meios de comunicação, diminuiu as desigualdades de direitos entre as diferentes etnias existentes no grande território e também contribuiu para a melhora da das condições de vida das mulheres na sociedade. Leitura muito saborosa.

Título da Obra: A IMPERATRIZ DE FERRO

Autora: JUNG CHANG

Tradutor: DONALDSON M. GARSCHAGEN

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

Cixi (Beijing, 1835–1908), the Empress Dowager of China who ruled the country for several decades, appears to have been, above all, an exceptionally fascinating figure—at least in the portrait drawn by Jung Chang (Yibin, China, 1952) in her biography Empress Dowager Cixi: The Concubine Who Launched Modern China. A narrative of this kind inevitably contains interpretations by the author that cannot fully coincide with the private life and inner motivations of the great stateswoman. No biographical account can ever be entirely precise—not even autobiographies. Nevertheless, Chang carried out extensive research and employed the factual material with elegant mastery.

Cixi began as a low-ranking concubine among the many women of Emperor Xianfeng (Beijing, 1831–Chengde, 1861). Born into an ancient Manchu aristocratic family, she was chosen for the imperial harem at the age of sixteen, thus entering the Qing dynasty, a Manchu-led line that ruled China for more than two centuries. Because she became the mother of the emperor’s only heir, her prestige and influence at court grew considerably. She maintained an excellent relationship with Zhen, the childless principal empress. When Xianfeng died, both women were still very young and close in age: Cixi as the emperor’s biological mother, and Zhen as the mother by tradition.

Displaying the remarkable intelligence she had shown since childhood, Cixi, together with other aristocrats and with the empress herself, engineered a coup d’état to replace the group of male regents appointed by Xianfeng with the two widows. They became the Empresses Dowager and governed jointly, as friends and partners, until Zhen’s death.

Cixi wished to modernize China, though she preserved a deep respect for its cultural and religious traditions. Unlike her husband and many nobles, she understood that the country needed to open itself to relations with foreign nations. Until then, China had been utterly closed; the world and China were strangers to one another, mutually fearful. Her reformist ideas guided nearly all her actions during the many years she ruled.

Tradition forced her to withdraw from power twice: first, when her son Tongzhi (Beijing, 1856–1875) became emperor, and later when her adopted three-year-old nephew ascended the throne after her son’s early death. The boy—Guangxu (Beijing, 1871–1908)—eventually exiled her from the Forbidden City, denying her any influence or access to information. After he became involved in a plot to assassinate her, Cixi managed to turn him, covertly, into a virtual prisoner, reassuming control of the government until her death.

During Cixi’s period of isolation, China entered a war provoked by Japan, which seemed determined to dominate the East. The conflict revealed China’s vulnerabilities, prompting various European nations, along with Japan, to claim spheres of influence within the country. Until then, only the Opium Wars with Britain—driven by British pressure to sell Indian opium in China—had posed a serious external threat. After Japan’s aggression, territorial integrity was never again secure. Foreign dangers and internal rebellions grew so severe that they undermined many of the Empress Dowager’s modernization efforts. Yet her bold reforming spirit remained alive, reasserting itself in the final decade of her rule.

Shortly before her death, she poisoned her adopted son—gravely ill and the same man who had earlier intended to kill her—fearing that he would “hand China over” to Japan. His successor, Puyi, would become China’s last emperor; the nation became a republic in 1911.

Amid all the turmoil she confronted, Cixi modernized and enriched China. She sought to transform the autocratic political system into a constitutional monarchy (a project left incomplete at her death), reformed the educational system, dramatically reduced near-universal illiteracy, promoted technological progress such as railways and telegraphy, diminished legal inequalities between the many ethnic groups that composed the empire, and improved conditions for women in society.

A vivid and absorbing read.

Title of the Work: Empress Dowager Cixi: The Concubine Who Launched Modern China
Author: Jung Chang
Translator: Donaldson M. Garschagen
Publisher: Companhia das Letras

Cixi (Pekín, 1835–1908), la emperatriz viuda de China que gobernó el país durante varias décadas, parece haber sido, ante todo, una figura excepcionalmente fascinante, al menos según el retrato que Jung Chang (Yibin, China, 1952) traza de ella en su biografía La Emperatriz de Hierro. Una narración de este tipo admite inevitablemente muchas interpretaciones de la autora que no pueden corresponder de manera exacta a la vida íntima ni a las motivaciones de la gran estadista. Ningún relato biográfico puede aspirar a la precisión absoluta, ni siquiera las autobiografías. No obstante, Chang realizó una extensa investigación y supo emplear con maestría elegante los datos factuales.

Cixi fue inicialmente una concubina de rango inferior entre las numerosas mujeres del emperador Xianfeng (Pekín, 1831–Chengde, 1861). Procedente de una antigua familia aristocrática manchú, fue seleccionada para el harén imperial cuando tenía dieciséis años, pasando así a formar parte de la dinastía Qing, de etnia manchú, que había gobernado China durante más de dos siglos. Al convertirse en la madre del único heredero del emperador, adquirió creciente prestigio y poder en la corte. Mantenía una excelente relación con Zhen, la emperatriz titular, que no tenía hijos. Cuando Xianfeng murió, ambas mujeres eran aún muy jóvenes y de edades cercanas: Cixi era la madre biológica del futuro emperador, y Zhen, la madre por tradición.

Desde la infancia, Cixi había demostrado una inteligencia notable. Junto a otros aristócratas y a la propia emperatriz, urdió un golpe de Estado para impedir que el grupo de hombres designados por Xianfeng asumiera la regencia. Las dos viudas pasaron entonces a ser las emperatrices viudas, amigas y socias en el gobierno hasta la muerte de Zhen.

Cixi deseaba modernizar China, aunque conservaba un profundo respeto por sus tradiciones culturales y religiosas. A diferencia de su marido y de muchos nobles, percibía la necesidad de abrir el país a relaciones con naciones extranjeras. Hasta ese momento, China había sido hermética: el mundo y China se ignoraban y se temían mutuamente. Sus ideas reformadoras orientaron casi todas sus acciones durante los largos años en que gobernó.

La tradición la obligó a retirarse del poder en dos ocasiones: la primera cuando su hijo Tongzhi (Pekín, 1856–1875) asumió el trono, y la segunda cuando su sobrino, adoptado por ella a los tres años tras la muerte prematura del hijo propio, se convirtió en emperador. Aquel niño, Guangxu (Pekín, 1871–1908), acabaría por apartarla de la Ciudad Prohibida, negándole toda influencia y acceso a la información. Tras implicarse en un complot para asesinarla, Cixi logró convertirlo discretamente en una suerte de prisionero, retomando nuevamente el poder hasta su muerte.

Durante el aislamiento de Cixi, China se vio envuelta en una guerra provocada por Japón, que parecía aspirar a dominar Oriente. En ese conflicto quedaron expuestas las fragilidades del país, lo que llevó a varias naciones europeas y al propio Japón a intentar apropiarse de regiones del territorio chino. Hasta entonces, únicamente las Guerras del Opio contra Gran Bretaña —originadas por la presión británica para vender en China la droga cultivada en la India— habían supuesto una amenaza externa concreta. Tras la agresión japonesa, la integridad territorial dejó de ser un hecho seguro. Los peligros exteriores y las rebeliones internas alcanzaron tal magnitud que desestabilizaron los movimientos modernizadores impulsados por la emperatriz viuda. Sin embargo, su espíritu audaz y reformista permaneció encendido y volvió a manifestarse con vigor en la última década de su gobierno.

Poco antes de morir, envenenó a su hijo adoptivo —gravemente enfermo y el mismo que había intentado matarla años antes— por temer que “entregara” China a Japón. Su sucesor, Puyi, sería el último emperador del país, que se convertiría en república en 1911.

A pesar de las turbulencias que marcaron su vida, Cixi modernizó y enriqueció China. Aspiró a transformar el sistema político de una autocracia en una monarquía constitucional (proyecto que no alcanzó a concluir), reformó el sistema educativo, redujo de manera drástica el casi total analfabetismo de la población, impulsó el progreso tecnológico —ferrocarriles, telégrafos y otros medios de comunicación—, disminuyó las desigualdades legales entre las distintas etnias del vasto territorio y contribuyó a mejorar la situación de las mujeres en la sociedad.

Una lectura tan rica como deliciosa.

Título de la obra: La Emperatriz de Hierro
Autora: Jung Chang
Traductor: Donaldson M. Garschagen
Editorial: Companhia das Letras

A imperatriz

4 comentários

Deixe um comentário