“O Bom Crioulo” de Adolfo Caminha (Aracati, CE, 1867 – Rio de Janeiro, 1897) é um clássico da literatura brasileira. Certamente não só por ser uma obra do século XIX. Ainda hoje pode ser lido e interpretado em planos diversos, às vezes quase com oposição de uns em relação aos outros e não está fechado em significações particulares do autor. Representou e representa uma ousadia quanto à abordagem de temas que nunca deixaram de ser difíceis para os seres humanos, de modo geral tão avessos e amedrontados com tudo o que lhes é (ou que acreditam ser) diverso. Especialmente quanto a questões raciais, reconhecimento do lugar da mulher e intolerância às variações de orientação sexual, práticas sexuais e identidades de gênero. Com o risco das simplificações, trata-se da estória de uma paixão avassaladora de um homem por outro. São dois marinheiros, um negro, Amaro, e outro branco de olhos azuis, Aleixo. Há uma terceira personagem, geralmente mais ignorada por quem discute o romance, uma mulher, ex-profissional do sexo, dona de pensão, Carolina, que tornara-se amiga de Amaro por ter sido por ele bravamente socorrida num ataque de assaltantes. Depois, ela seduz Aleixo e faz dele seu amante, traindo seu salvador. Como Émile Zola (França, 1840-1902), Caminha pertenceu à Escola Naturalista. Neste modo de compreender os indivíduos há características de comportamento que são da ordem do trágico, inescapáveis, determinadas por forças sobre as quais as vontades e ações em contrário tornam-se quase sempre inúteis. Talvez inscritas na biologia. Um certo psicologismo veio a combater vigorosamente esta maneira de pensar. Todavia, descarta-la por completo pode ser algo muito ingênuo. Em “O Bom Crioulo” Caminha não discute valores morais, nem opõe-se a eles abertamente. Ao tratar do desejo sexual, da paixão, da homossexualidade fala também da fragilidade da moralidade naquilo que determina a realidade em interações entre pessoas. Julgamentos deste naipe ocorrem como intenções ou a posteriori, como uma das variadas formas de prolixidade nos discursos sobre o mundo. Fica bem claro em Caminha que a homossexualidade não é uma escolha, uma “opção sexual” como tão erroneamente ainda é designada na atualidade. Ele sabia disto. Semelhantemente, a paixão é um afeto que não se dobra a conveniências ou racionalizações, nela, cumpre-se mais do que se escolhe. Amaro e Carolina são bastante passionais. Têm modos próprios de encarnar seus conturbados destinos e nisto talvez resida a dimensão não tão naturalista da abordagem do escritor, é onde aspectos psicológicos ganham espaço. Aleixo, talvez também por ser muito jovem, ainda funciona como peão, elemento mais passivo nas intensidades que dão tom aos relacionamentos. O autor foi arrojado por muito do que disse, inclusive sobre a comunhão entre o negro e o branco, tanto no amor carnal como na amizade. Há ainda a alusão às ligações homossexuais entre os que trabalhavam em navios (ele mesmo fora membro da Marinha). Não há idealização no relato. Hoje, alguns radicais do “politicamente correto” poderiam condenar o livro por racismo, preconceitos sexuais ou quanto a gêneros, devido a certas frases nele contidas. Seria uma forma de compreensão pobre, precariedade interpretativa. Enfim, mesmo considerando que o texto não tenha a qualidade estética machadiana, merece ser lido com cuidado reflexivo. O romance causou escândalo no final do século XIX, foi recolhido e proibido em 1930, sob a ditadura de Getúlio Vargas, quando foi publicado pela segunda vez e é menos citado do que merece como um dos clássicos da literatura do Brasil. Salve Adolfo Caminha!
Título da Obra: O BOM CRIOULO
Autor: ADOLFO CAMINHA
Editora: TODAVIA
Olha só! O título é tão conhecido e o livro tão pouco. Gostei da resenha, Luís, deu vontade de ler. Beijo.
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Obrigado pelo comentário querida Anaelena
Um beijo
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