Dar sentido à vida não é tarefa fácil. Ter clareza sobre sentimentos, valores, crenças e fatos pode ser um inquietante desafio, especialmente quando as transformações do mundo obrigam a revisões do que já estava estabelecido. Anton Pavlovitch Tchekhov (Rússia, 1860 – Alemanha, 1904), reconhecido pelo grande talento como contista e dramaturgo, escreveu também novelas e “Três Anos” é uma delas. Nesta, fala da dissolução de débeis perspectivas de futuro e da derrocada dos sentidos fáceis para a realidade, através da estória de Aleksei Láptiev, que espera encontrar no casamento um bom caminho para viver. Escolhe com puerilidade uma noiva. Perde-se no matrimônio. A par disto tem que reconhecer uma espécie de indigência em sua posição de homem rico na tumultuada sociedade moscovita do final do século XIX. A Rússia caracterizava-se por muita desigualdade social, com estratificação rígida de classes, escassez de trânsito entre elas e exploração do homem pelo homem feita de maneiras particularmente cruéis. Os relacionamentos intrafamiliares rimavam com isto e eram marcados pelo autoritarismo e rudeza nas interações. Todavia, existiam forças que pressionavam para mudanças tanto na dimensão pública quanto privada. As concepções de mundo estavam em cheque. Havia questionamentos sobre direitos e deveres e a respeito de possibilidades mais humanas no convívio, vinculação interpessoal e, especialmente quanto aos mecanismos de produção nas atividades econômicas e relações com o trabalho. Em tal contexto o protagonista tenta depositar no amor as boas, talvez salvadoras, expectativas quanto a seu destino. Cria uma miragem. A manobra é tão artificial que acaba por revelar fragilidades mais profundas de alguém que tem pouca familiaridade com este tipo de afeto. Além dos aspectos mais íntimos da vida do personagem central e de seus circundantes, tem relevo o cenário de decadência do corpo social russo. Láptiev não consegue definir seu papel nos negócios do pai, nem o que representa para os funcionários da empresa que herdará e menos ainda consegue estar confortável com o que pode ver acontecer para além de seu núcleo familiar. Sente dor e não a identifica de modo pragmático. Junto com os desarranjos provenientes da esfera pública há um esvaziamento da ideia de amor. Ao longo dos três anos que decorrem na narrativa o essencial impõe-se ao supérfluo e fantasioso. Não há propostas de solução, nem otimismo. Há desconcerto e apreensão. Depois resta a indiferença como defesa para um vazio que não é passível de ser preenchido. E, por mais que pareça tratar-se de uma situação particular, Tchekhov fala do trágico na vida humana. Em certa medida, universal.
Título da Obra: TRÊS ANOS
Autor: ANTON P. TCHECHOV
Tradutora: DENISE SALES
Editora: 34