Nos últimos anos mundo tem dado voltas cada vez mais rápidas e assustadoras, com transformações difíceis de interpretar. Movido por aqueles que estão em posições de comando, com o assentimento distraído ou equivocado dos comandados.
“A Barata” de Ian McEwan (Inglaterra, 1948) é uma sátira política e uma distopia que registra a apreensão do autor em relação a isso.
A inspiração é kafkiana, talvez uma homenagem, mas este “conto longo” é antes de tudo um manifesto em puro estilo McEwaniano. O livro, lançado em 2019, alude ao Brexit. Todavia, o que está em jogo, de modo bem mais amplo, é a vocação humana para a destruição, talvez para o extermínio da espécie. Aqui, o funesto desígnio dá-se através de ações gananciosas de uns e do alheamento de outros, os que delegam cegamente a responsabilidade pelo gerenciamento das engrenagens nas sociedades em que vivem, perdendo-se num coletivo inerte. Contribuem significativamente o desastre social os utopistas, insensatos que lutam por ilusões sedutoras e abandonam tentativas mais realistas de solucionar problemas. No enredo baratas tomam o corpo de líderes políticos com a missão de promover mudanças desorganizadoras da civilização. Com essa estratégia pretendem ocupar mais espaço no planeta, que habitam há muito mais tempo do que o homem. Um dos insetos apodera-se do corpo do Primeiro-ministro do Reino Unido no momento da estória, Boris Johnson, e outras baratas encarregam-se de outros ministros. O mesmo acontece com alguns governantes estrangeiros, como Donald Trump. Assim executam um plano mirabolante que objetiva acabar com a economia através da aprovação da “lei do reversalismo”. Através dessa lei as pessoas teriam que pagar para trabalhar e produzir e seriam pagas pelo que consumissem. Consumir sem produzir torna-se algo muito vantajoso aos olhos dos incautos e dos que se abstêm da reflexão crítica. A deterioração do universo humano viria com os populismos, nacionalismos, sectarismos, o cinismo dos políticos, a transformação dos veículos de informação em propagadores de mentiras ou instrumentos de radicais ou dos simplesmente inescrupulosos (o “The Guardian” é citado). A adesão ignorante de militâncias político-ideológicas, a intolerância com ideias divergentes e outras formas de diversidade, o que inclui a xenofobia e os racismos, entre suas muitas formas de apresentação, a devastação do meio ambiente, a indiferença, o apego às crenças em soluções estapafúrdias, distantes da realidade ou simplórias demais para a alta complexidade dos problemas e outras ações nessa linha, compõem o caldo que dissolve as possibilidades do bem-viver ou mesmo de viver para os humanos.
Enfim, tudo muito contemporâneo e de abrangente geografia.
Título da Obra: A BARATA
Autor: IAN McEWAN
Tradutor: JORIO DAUSTER
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Ai, nem sei a razão, mas não me atrai. Fico com o Mc Ewan de Sábado, Amor sem fim, O enclausurado, Solar. Posso estar enganada. O que é muito provavel. (rs) Beijo, Luís.
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Obrigado pelo comentário querida Anaelena. Realmente o assunto de que trata este livro não é muito palatável, inclusive por refletir muito do que vivemos no mundo neste momento. Como grande escritor que é, McEwan consegue através do senso de humor e do bom texto (também bem traduzido) criar uma obra agradável de ler.
Um beijo
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