Humanos parecem ter vocação para a idolatria. O que pode desembocar no pensamento religioso, mas também tem importância em outros contextos. Difícil dizer se é sempre um aspecto negativo do funcionamento psicológico e social das pessoas. E, desde o Bezerro de Ouro de Arão não houve muita mudança nesses comportamentos. Talvez, seja mais fácil articular questões sobre a necessidade de se constituir ou eleger ídolos (do bem e do mal) do que prescindir deles. A criação de ídolos parece ter alguma função no controle de vazios no existir e de temores de ordens diversas. Também, num plano mais mundano, eles costumam dar graça aos cotidianos insuficientemente excitantes da maioria das pessoas. Fazem parte das culturas.
Ruy Castro (Rio de Janeiro, 1948) escreveu sobre alguns personagens do século XX que, em medidas variadas, tiveram essa função para grande parte do planeta. Mídias como o rádio, cinema, televisão e imprensa escrita veicularam notícias sobre esses personagens, que passaram a fazer parte do universo coletivo. Tornou-se comum a curiosidade por suas histórias pessoais, que foram tecidas com a soma de fatos e de lendas sobre eles. Neste livro, “Saudades do Século XX”, formado por pequenos ensaios biográficos, Ruy Castro conta um pouco da vida de Marilyn Monroe, Mae West, Anita O’Day, Billie Holiday, Fred Astaire, Alfred Hitchcock, Dashiell Hammett e outros. Além de prover-nos de dados não tão oficiais das biografias destes astros, estrelas, músicos e escritores, ele aponta para a contribuição das imagens deles na criação de uma visão de mundo. O autor faz comentários interessantes sobre os modismos e frivolidades, que tantos preconceitos fomentaram e perdas implicaram, como por exemplo em torno de Doris Day, que de “querida” de um período passou a ser vista como “cafona” e fazer com que muitos escondessem a admiração por ela (inclusive ele mesmo). Ela, que além de excelente atriz foi considerada uma das maiores cantoras populares que já existiram (Jazz), passou a ser injustamente ignorada e só tardiamente foi objeto de um “processo de resgate”, menos eficiente do que seria desejável. A escritora Lillian Hellman aparece no livro arrastando a carapuça de grande mentirosa e dona de um caráter bastante carente de ilibação. E há muito mais para que cada um dos ensaios seja devorado pelo leitor.
Castro não cai em armadilhas piegas e quando comenta os eventuais comportamentos desastrosos que alguns dessas celebridades tiveram, procura voltar o olhar do leitor para mais do que isso, dando relevo aos feitos dessas pessoas, vulneráveis como quaisquer outras, mas que nos legaram tesouros culturais. No que foram e no que criaram. Informação, diversão e uma aula de leveza em jornalismo literário.
Título da Obra: SAUDADES DO SÉCULO XX
Autor: RUY CASTRO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Penso que a idolatria é uma fuga “momentânea” da realidade pessoal. O desejo de outra vida, mesmo que o ídolo tenha uma vida falseada de montagens, torna-se melhor que a própria realidade.
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Acho que também pode ser assim. Obrigado por comentar
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Deve ser uma delícia de livro. Fiquei surpresa sobre Lillian Hellman, que coisa! Seu livro Pentimento é ótimo. Já quanto a Doris Day, ainda bem que a ‘reabilitaram’. Fez parte da minha infância e adolescência. Confesso, queria ser loira, lindinha e ‘dócil’ como ela (rs). E ela cantando é uma alegria. Tenho um cd dela, vira e mexe, ouço-o.
Beijo e obrigada por mais uma resenha ótima.
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É delicioso mesmo querida Anaelena. Obrigado por comentar
Um beijo
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Vc me deixou curiosa com o livro, uma boa situação para perceber como as contingências externas posem fazer um ídolo e tirá-lo deste lugar tão idealizado. Obrigada
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Eu é que agradeço pelo comentário, querida Teresa
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