A solidão tem muitas dimensões. Algumas impermeáveis a qualquer tentativa de significação. Há em seus meandros ameaças à identidade do indivíduo, que sem o outro perde os referenciais para si mesmo. Maior o isolamento, maior a dificuldade de se afirmar o que se é. Ser alguém é algo que Se viabiliza diante de muitos alguéns. No amor o ser humano esforça-se para preencher os vazios da existência e talvez perceba que somente é capaz de encapsulá-los. Por algum tempo. Os contos de “Homens Sem Mulheres” Haruki Murakami (Kyoto, Japão, 1949) tratam disso. Desdobra o tema central em vários, mostrando as partes como elementos componentes de uma mesma estrutura. É realmente um conjunto, um concerto de contos. Todas as estórias são construídas em torno da mulher, através do olhar do homem. A mulher, de diversos modos, perdida pelo o homem. Talvez por não ter sido propriamente encontrada ou por não ter sido devidamente reconhecida enquanto fazia parte viva da cena. Uma vez faltante, essa mulher deixa como herança a inquietação, a dor e muitas questões de difícil resposta, a começar pela natureza daquilo que as subtraiu. As perguntas vão adquirindo uma dimensão genérica. O que elas levam embora quando partem? O que as constitui para além da promessa? O que podem dar ou trocar com o homem? O que e onde continuam a ser, para além daqueles que se relacionaram com elas? Os homens que se apaixonam, que amam uma mulher, estão condenados a perde-las, a perceberem dolorosamente que não as tiveram como ousaram supor. Percorrendo o caminho do pretenso conhecimento até a incontornável ignorância eles defrontam-se com a solidão. Resta a lembrança da promessa e a confusão quanto a seu autor. Desconcerto. E também possibilidade de reflexão. Murakami é elegante. Há muita sutileza e profundidade em sua crível ficção. A maneira como faz citações da cultura pop ocidental e homenagem a grandes autores, como Kafka, e obras canônicas, como As Mil e Uma Noites, são notas de seu refinamento intelectual. Na possibilidade de ver, na beleza que há para ver, a despeito da verdade que não se revela, parece residir a esperança.
Título da Obra: HOMENS SEM MULHERES
Autor: HARUKI MURAKAMI
Tradutora: EUNICE SUENAGA
Editora: ALFAGUARA
Quanta sutileza neste processo das relações fragmentadas, e, reconecta o sentir da ausência que reverbera em diferentes sociedades. As questões culturais, econômicas, sociais não sobrepujam o valor da perda de quem se encontra sozinho em qualquer parte do planeta !
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Oi, Luís, até hoje não li o Murakami. Confesso que, talvez, essa minha atitude seja um resquício dos tempos da Capitu, quando os best-sellers me incomodavam muito. A gente tanto os vendia que perdia o interesse em lê-los. Até tentei ler o primeiro livro do autor, ganhei de uma amiga que respeito muito, inclusive em seu gosto literário, mas me frustei, larguei a leitura nas primeiras páginas. Agora, com seu comentário, fiquei inclinada a tentar mais uma vez. Beijo e boa semana.
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Olá Anaelena
Eu também tinha lido um único livro dele há vários anos e não gostei. Este achei ótimo
Obrigado por comentar
Boa semana também
Bj
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Luís, finalmente, me rendi ao Murakami, estou lendo Homens sem mulheres e gostando demais. Além da sua resenha já antiga, moveu-me “Drive my car”, o filme, ter sido inspirado em três contos do livro. Ainda não assisti ao filme, mas um amigo comentou que é excelente. Assim, resolvi ler os contos. Sua resenha, como sempre acontece, é muito boa.
Enfim, vim aqui, mesmo que tardiamente, agradecer sua indicação.
Beijo, Luís, boa terça-feira.
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Oi Anaelena
Também estou curioso para ver o filme. Eu é que agradeço sua gentileza ao comentar. Boa terça-feira para você também
Um beijo
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