As ferramentas e os esforços necessários para a “vida prática” podem ser muito onerosas das pessoas. As demandas desdobram-se de maneiras surpreendentes e em temporalidades que escapam aos relógios humanos. Distanciam-se da “vida intelectual” que, por outro lado, permite mais facilmente a ilusão de compreensão e controle do viver e carreia o risco de um tipo de artificialidade (quase nunca perceptivelmente) deletéria, com as construções e usos de teorias fechadas em si mesmas. “A Especulação Imobiliária” é um breve romance de Italo Calvino (Santiago de Las Vegas, Cuba, 1923-Siena, Itália, 1985) que pode ser lido em diversos planos, através dos quais são tratadas questões relativas à discrepância entre as preocupações “intelectuais” e os desafios pragmáticos do cotidiano. Implicações ideológicas e éticas são os aspectos mais relevantes dessa trama, que tem aparente simplicidade e alguma aridez. O autor não deixa de observar a existência de um certo tipo de indolência, de pusilanimidade como razão maior para a busca de abrigo em crenças e discursos que só são fortes quando gritados, pois são insustentáveis ante o pensamento crítico e a realidade consensual. Aparentemente, quando escreveu este livro Calvino vivia conflitos dessa ordem. Havia rompido com o partido comunista em que militara, através de carta que causou impacto na “intelligentsia”. Buscava maneiras novas de lidar com o mundo, onde tudo estava se transformando rapidamente naqueles anos que sucederam a II Guerra Mundial. Est(éticas) apresentavam faces surpreendentes, recriavam-se e diluíam “verdades” em que se crera haver solidez. Nada podia escapar a exames objetivos. Dogmas ruíam. Evidências eram requeridas. Beleza e feiura emaranhavam-se. Bem e Mal também. Guardadas características de embalagem, elementos muito semelhantes aos que constituem nossa atualidade.
Título da Obra: A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
Autor: ITALO CALVINO
Tradutor: MAURICIO SANTANA DIAS
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS