Os movimentos estético-culturais costumam surgir como reações de rebeldia e manifestações de ânsia por renovação. Especialmente de promessas. Após impregnarem amplamente a cultura de uma época, geralmente evoluem para o ocaso, e passam a ser vistos como decadentes. A posteriori são insuficientemente compreendidos e tornam-se adjetivação empobrecida e, com frequência, empobrecedora. Assim foi com o Romantismo. Surgido na Europa central no final do século XVIII, tornou-se o modo de “ver o mundo” durante grande parte do século XIX. Moldou o comportamento dos indivíduos e muito do que produziram intelectualmente. A filosofia, as artes visuais, e também a literatura deste período têm características próprias e inter-relacionadas: idealização, subjetivismo, mitificação, nacionalismos, valorização do sentir (pronunciadamente, do amar), lirismo, dramaticidade, heroísmo, e mais. No Brasil, José de Alencar (Fortaleza, 1829 – Rio de Janeiro, 1877) foi um dos baluartes do Romantismo literário. Parte de suas obras retrata a intimidade das pessoas e busca as motivações negligenciadas na interpretação de seus atos. Idealiza o amor e a figura da mulher. Outra parte é mais marcada pelos matizes do nacionalismo e do regionalismo, que enaltecem e estilizam elementos da vida brasileira, descobrindo ou criando peculiaridades da terra e do povo. A História também aparece, talvez sem grande rigor com os dados factuais. O idealismo auxiliou na construção de imagens sedutoras, mas também provocou desgaste e contribuiu para a descrença neste modo de compreensão, acarretando o surgimento de outros modos, que foram transformados em novos movimentos estético-culturais. Como o Naturalismo, o Realismo e muitos outros. “Semíramis” é o romance de Ana Miranda (Fortaleza, 1951) que toma José de Alencar, seu conterrâneo, como referência e inspiração para falar das riquezas humanas e das naturais que brotam em solos cearenses. E para mais. Estimula uma reflexão sobre o que foi o Romantismo no Brasil, mirando além dos estereótipos. Fazendo disso um método, a autora mais sugere do que afirma. É delicada. Usa o viés. Vê pelas frestas. Fala através de uma narradora, Iriana, que tem na irmã Semíramis sua grande figura idealizada, carreadora de ilusões e desilusões. Semirámis é a condutora nas incursões ao desconhecido, dando-lhe formas cambiantes, mas fundamentais para um vislumbre, uma aproximação. Ela é a provedora de subsídios para a imaginação na construção de sentidos, que envolvem o vivido e sonhado. Com “Semíramis”, José de Alencar é feito personagem. Aparecem aspectos menos conhecidos de suas origens e formação familiar. Nosso maior escritor romântico era filho de um padre e sua prima, e neto de heroína dos independentistas republicanos. Foi também um político controverso. O que escreveu refletiu seu tempo e um modo de estar na vida. “A Viuvinha”, “Lucíola”, “O Guarani”, “Iracema”, “As Minas de Prata”, entre outros de seus trabalhos, ilustram o modo de José de Alencar fazer do Brasil um cenário, com suas tradições, costumes e lendas. Traduziu isso tudo em literatura. Falou do modo como homens e mulheres se amavam, ou deveriam se amar. Ana Miranda usa elementos estilísticos alusivos ao romantismo, mas é moderna na forma e na maneira de revelar as identidades fugidias dos personagens e a complexidade dos eventos. Toca na idealização para Explorar sua nobreza, enquanto artifício que ameniza as agruras da vida, mesmo que ingênua para tratar da verdade. Em Miranda o sentimentalismo é somente uma aparência.
Título da Obra: SEMÍRAMIS
Autora: ANA MIRANDA
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS