LITUMA NOS ANDES

Entre os males humanos a propensão à violência e o impulso para a destruição são difíceis de controlar com suficiência e podem aparecer em qualquer tempo e lugar. Os esforços civilizatórios funcionam como barreiras de contenção e criação de caminhos alternativos para aquilo que pode funcionar de modo quase instintivo. Em “Lituma nos Andes”, de 1993, o peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel e talentoso para além disto, fala com sensibilidade sobre este tema.
A estória entrelaça eventos promovidos pelo grupo terrorista de inspiração maoísta “Sendero Luminoso” com a mitologia dos povos mais antigos do Perú (não só os Incas) e aponta para o modo do homem construir crenças desvinculadas da realidade objetiva, cegando-se através delas. A abordagem de Llosa é múltipla, fazendo do romance um rico instrumento de reflexão.
O Sendero Luminoso foi criado no Perú por um professor universitário, Abimael Guzmán, carismático o suficiente para seduzir e liderar seus alunos, na década de 1960. No ambiente acadêmico ele doutrinou ideologicamente seus alunos e os instruiu quanto a táticas de guerrilha a serem repassadas para membros selecionados da população camponesa, privada de recursos materiais e educacionais, mais suscetíveis ao convencimento por explicações doutrinárias e propostas radicais de ação. O grupo terrorista de extrema esquerda assim constituído submeteu muita gente à irracionalidade através da pressão pelo medo e de promessas de ordem mítica. Transformou muitos camponeses em combatentes violentos e fiéis à causa a que aderiam, sem ousar questionamentos aos seus chefes. Invadiam povoados, assassinavam as pessoas que ocupassem posições de comando ou que detivessem propriedades ou outros bens materiais, após julgamento popular (na verdade, o julgamento era feito pelos líderes senderistas que forçavam as coletividades aterrorizadas a anuir). Os condenados eram mortos com pedradas e pauladas aplicadas em suas cabeças, especialmente no rosto, tornando-os praticamente irreconhecíveis. Este grupo agiu em maior escala até a década de 1990, quando seus líderes foram capturados, mas ainda existe, embora com pouca expressão na atualidade. Tudo o que faziam era em nome de uma suposta justiça social. Possivelmente acreditavam agir para o Bem.
Por outro lado, o autor narra episódios de sacrifícios humanos de feições dionisíacas promovidos por “bruxos” no intento de proteger a população das forças naturais, como avalanches e outros fenômenos assustadores e potencialmente trágicos. Também, por mais cruéis que fossem as  imolações, assumiam o caráter de um ato benéfico para a maioria. As crenças de ordem mitológica/mítica pareciam superar a eficácia de qualquer racionalidade para grande parte das populações andinas. E, como o autor sugere, isto vale para grande parte dos seres humanos. Ainda num outro plano da narrativa aparecem personagens crédulos na potência da razão, como uma ecologista estrangeira encantada com o país que adotara, lutando pela preservação de sua Natureza e proteção das populações nativas. Ela supunha que a transparência de suas boas intenções seria um escudo contra a violência. Acabou por ser brutalmente assassinada numa de suas incursões por territórios dominados pelos “terrucos” (termo popular para terroristas do Sendero). Ainda, de modo mais sutil, o autor descreve a brutalidade eventualmente praticada na intimidade do ato sexual.
Leitura envolvente, como de hábito nos livros de Llosa. Informa e faz pensar. Um ótimo romance. Nada romântico.
Título da Obra: LITUMA NOS ANDES
Autor: MARIO VARGAS LLOSA
Tradutores: PAULINA WAICHT E ARI ROITMAN

Editora: ALFAGUARA

Among humanity’s many afflictions, the propensity toward violence and the impulse to destroy remain among the hardest to contain. They can surface anywhere, at any time. Civilization’s efforts—its laws, its moral codes, its arts—function as barriers of restraint and as pathways toward alternatives to what is, in essence, an almost instinctive drive. In Death in the Andes (1993), the Peruvian Nobel laureate Mario Vargas Llosa writes with rare sensitivity about this theme.

The novel intertwines events surrounding the Maoist-inspired terrorist group Sendero Luminoso (Shining Path) with the ancient mythologies of Peru’s earliest peoples—not only the Incas—and reveals how humans construct beliefs detached from objective reality, blinding themselves in the process. Llosa’s approach is multifaceted, turning the novel into a rich instrument for reflection.

The Shining Path was founded in Peru by a university professor, Abimael Guzmán, a man charismatic enough to seduce and command his students during the 1960s. In the academic setting, he indoctrinated them ideologically and instructed them in guerrilla tactics to be disseminated among selected members of the peasantry—materially deprived, poorly educated, and thus more susceptible to doctrinal persuasion and radical calls to action. The far-left terrorist organization that emerged from this process subjected vast numbers of people to the irrational rule of fear, promising redemption through mythical notions of justice. Many peasants were turned into violent combatants, obedient to the cause they had embraced and incapable of questioning their leaders.

They invaded villages, murdering local authorities and landowners after so-called people’s trials—in reality, summary executions decreed by the senderista commanders, who coerced terrorized communities into feigned assent. The condemned were killed with stones and clubs, their faces crushed beyond recognition. The group acted on a large scale until the 1990s, when its leaders were captured. It still exists today, though with little influence. Everything they did was, ostensibly, in the name of social justice. Perhaps they even believed they were acting for the Good.

Parallel to this, Vargas Llosa recounts episodes of Dionysian human sacrifice, carried out by local “sorcerers” seeking to protect their communities from natural disasters—avalanches, storms, or other terrifying phenomena. However cruel these immolations, they were understood as acts of collective benevolence. Mythical belief seemed to surpass the reach of rational thought for much of the Andean population. And, as the author subtly implies, this is hardly unique to the Andes—it is a condition of humanity itself.

On another level, Llosa introduces characters who place their faith in the power of reason, such as a foreign environmentalist enamored with her adopted country, devoted to the preservation of its Nature and the defense of its native peoples. She believed the purity of her intentions would shield her from violence. It did not: she was brutally murdered during one of her expeditions into territories controlled by the terrucos (the colloquial term for Shining Path militants). More subtly still, Llosa depicts the brutality that can emerge within the intimacy of sexual relations.

As always with Llosa, the reading is compelling. It informs as it unsettles.
A fine novel—and nothing romantic about it.


Title of the Work: Death in the Andes
Author: Mario Vargas Llosa
Translators: Paulina Wacht and Ari Roitman
Publisher: Alfaguara

Entre los males humanos, la propensión a la violencia y el impulso hacia la destrucción resultan difíciles de controlar con suficiencia y pueden manifestarse en cualquier tiempo y lugar. Los esfuerzos civilizatorios funcionan como barreras de contención y como intentos de crear caminos alternativos a aquello que opera de manera casi instintiva. En Lituma en los Andes (1993), el peruano Mario Vargas Llosa, premio Nobel y talentoso más allá de este título, aborda con profunda sensibilidad este tema.

La historia entrelaza los acontecimientos provocados por el grupo terrorista de inspiración maoísta Sendero Luminoso con la mitología de los pueblos más antiguos del Perú —no solo los incas— y revela la manera en que el ser humano construye creencias desvinculadas de la realidad objetiva, cegándose a través de ellas. El enfoque de Vargas Llosa es múltiple, lo que convierte la novela en un valioso instrumento de reflexión.

Sendero Luminoso fue creado en el Perú por un profesor universitario, Abimael Guzmán, lo bastante carismático para seducir y liderar a sus alumnos durante la década de 1960. En el ámbito académico los adoctrinó ideológicamente y los instruyó en tácticas de guerrilla destinadas a ser transmitidas a miembros seleccionados de la población campesina, privada de recursos materiales y educativos, más vulnerable ante las explicaciones doctrinarias y las propuestas radicales de acción. El grupo terrorista de extrema izquierda así constituido sometió a mucha gente a la irracionalidad mediante la presión del miedo y las promesas de orden mítico. Transformó a numerosos campesinos en combatientes violentos y fieles a la causa, incapaces de cuestionar a sus líderes.

Invadían poblados, asesinaban a quienes ocupaban cargos de autoridad o poseían tierras o bienes materiales, después de un supuesto “juicio popular” —que en realidad era dictado por los cabecillas senderistas, obligando a las comunidades aterrorizadas a consentirlo—. Los condenados eran lapidados y golpeados hasta quedar irreconocibles. El grupo actuó con gran intensidad hasta la década de 1990, cuando sus líderes fueron capturados, aunque aún hoy subsiste con escasa expresión. Todo lo que hacían era, supuestamente, en nombre de la justicia social. Posiblemente creían obrar por el Bien.

Por otro lado, el autor narra episodios de sacrificios humanos de tono dionisíaco, ejecutados por “hechiceros” con el propósito de proteger a la población de las fuerzas naturales —aludes, tempestades y otros fenómenos temibles y potencialmente trágicos—. Por crueles que fueran tales inmolaciones, asumían el carácter de actos benéficos para la colectividad. Las creencias de orden mítico parecían superar la eficacia de cualquier racionalidad para una gran parte de las poblaciones andinas. Y, como sugiere el autor, esto vale también para la mayoría de los seres humanos.

En otro nivel de la narración aparecen personajes que confían en el poder de la razón, como una ecologista extranjera, fascinada por el país que había adoptado, que lucha por preservar su naturaleza y proteger a sus poblaciones originarias. Suponía que la transparencia de sus buenas intenciones sería un escudo contra la violencia. Acabó siendo brutalmente asesinada en una de sus incursiones por territorios dominados por los “terrucos” —término popular para los terroristas senderistas—. Y, de modo más sutil, el autor describe también la brutalidad que a veces se manifiesta en la intimidad del acto sexual.

Una lectura absorbente, como es habitual en los libros de Vargas Llosa. Informa, conmueve y hace pensar.
Una gran novela. Nada romántica.


Título de la obra: Lituma en los Andes
Autor: Mario Vargas Llosa
Traductores: Paulina Wacht y Ari Roitman
Editorial: Alfaguara

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