No segundo volume do romance em quatro volumes intitulado “Série Napolitana”, a escritora que se encobre sob o nome Elena Ferrante, dá continuidade à estória centrada na relação entre duas amigas, que o são desde a infância. Compartilharam, enquanto meninas, as agruras, esperanças e o aprendizado sobre a rudeza do mundo que viviam. Além de alguma magia, conferida pela capacidade de fantasiar, a despeito das dificuldades. Neste livro, ambientado na Nápoles dos anos 60, elas se tornam adultas. Uma se casa, após ter que interromper sua vida escolar por determinação dos pais sem recursos e sem condições de se aperceberem do brilhantismo da inteligência da filha. A narradora, a outra do par, prossegue estudando. Embora mudem algumas circunstâncias, a ligação entre elas permanece intensa. Cada uma a seu modo segue tendo a outra como referência principal, no trânsito pelo mundo. Há admiração mútua e grandes doses de sentimento amoroso e solidário. Por outro lado, uma inveja ácida entre elas permeia o relacionamento. A narrativa, sempre carregada de vida, faz o leitor mergulhar no mundo das personagens. Não há nada que lembre o tédio durante a leitura. Questões sofisticadas são tecidas com sutileza. O refinamento literário fica evidente aqui. Sem articulação formal, mas atravessando vigorosamente o texto, a autora traz à baila a famosa interrogação freudiana: “o que quer uma mulher?”.
É interessante a complicada engenharia da construção das identidades, feita também pelo uso dos contrapontos representados pelas duas moças. Mesmo através de uma concretude quase grotesca em seus cotidianos desta fase, protagonista e narradora fazem prevalecer o jogo do desejo, cujo objeto inapreensível circula entre elas e para além delas, como a luz de um vaga-lume. Compartilham a busca aflitiva por um senso de direção do viver, do qual não se apropriam. A vontade vige forte. Em ambas.
Elena Ferrante sabe contar com maestria uma estória. E enlaça o leitor na reflexão sobre problemas humanos universais, provocando-o, levando-o a conjecturar sobre a natureza multifacetada dos vínculos entre pessoas, talvez mais aparentes nas relações entre as mulheres.
Título da Obra: A HISTÓRIA DO NOVO SOBRENOME
Autora: ELENA FERRANTE
Tradutor: MAURÍCIO SANTANA DIAS
Editora: EDITORA GLOBO, BIBLIOTECA AZUL
