Pós-verdade é um termo que apareceu impresso pela primeira vez, segundo o Dicionário Oxford, num artigo do dramaturgo Steve Tesich em 1992. Vem sendo usado com frequência tão crescente que foi incorporado ao léxico inglês. É uma expressão própria do século XXI. Fartamente detectável nos campos da política, não declaradamente para que possa melhor cumprir sua função. Também pode aparecer na defesa de pontos de vista, nas justificativas ideológicas, pregações religiosas, etc. Para muitos há variações quanto à consciência do que se faz, para outros a artimanha é deliberada.
Seu sentido ganhou corpo, especialmente com relação a referências mais conotativas, mas foi se tornando denotativo para falar de circunstâncias em que a formação de uma opinião tem menos vínculo com a busca da informação fatual, objetiva do que com as crenças e passionalidades. A pós-verdade “materializa-se” através de compreensões subjetivas (eventualmente falsificadas propositalmente) acerca de eventos ou ideias, havendo substituição de evidências objetivas por convicções pré-moldadas, preconceitos, sentimentos, emoções, paixões, de sugestões enganosas, sem esquecer o uso de distorção interpretativa da informação.
A afirmação da pós-verdade passa a ocupar o lugar da geralmente mais difícil busca de verdade na tentativa de compreensão da realidade. É como se a verdade ficasse para trás em importância. Os interessados podem incrementar seus instrumentos de convencimento e indução a certas ações, geralmente sob comando de alguma liderança.
Antes das mídias eletrônicas, usadas para circulação de informação (como nas redes sociais), as opiniões custavam mais para serem formadas. Hoje, esse é um processo muito rápido. O tempo disponível para conferência da veracidade de informações e reflexão sobre os significados delas também encolheu. O aprofundamento na busca de conhecimento parece ter enfraquecido. As ilusões se avolumam. Acabam por servir mais amplamente para controle das pessoas, transformam-nas em massa de manobra. Com frequência adotam-se ideologias e concepções de mundo sem que haja exame cuidadoso e periódioco delas. Os indivíduos passam a enxergar a realidade através de lentes que a distorcem mais do que seria inevitável pelas subjetividades interpretativas.
Fanatismos e fundamentalismos lançam mão de crenças compatíveis com o que é agora denominado de pós-verdade. Neles evitam-se a força dos fatos e o exercício do pensamento crítico. O distanciamento do funcionamento ético é patente. Responsabilidade e liberdade tornam-se termos vazios.
Na ilustração: foto de obra de Julio Le Parc (Mendoza, Argentina, 1928)
