O SENTIDO DE UM FIM

Como são tecidas as histórias pessoais? Apesar de ser difícil construir respostas sólidas para tal questão, vale a reflexão.

O pequeno romance do inglês Julian Barnes (Leicester, UK, 1946) “O Sentido De Um Fim” foi elegantemente escrito tendo este tema como pano de fundo. Costumamos buscar apoio em recordações e interpretações que nos parecem confiáveis o suficiente para falarmos sobre quem somos e como entendemos o mundo onde vivemos. Todavia, aquilo de que nos lembramos e os modos de interpretarmos nossas vivências são processos complexos, em transformação contínua. As memórias adquirem sentidos distintos ao longo da vida. Grande parte destes sentidos tende a transformar-se significativamente. Outros cristalizam-se e persistem como verdades irretocáveis (e não é fácil saber o que determina isto). Há muito dinamismo e mutações nos enredos que engendramos, nos papeis que representamos neles e nas diversas crenças a que aderimos.

Barnes põe em cena a ideia bastante lúcida de que memórias não são reproduções exatas de eventos ocorridos objetivamente. São moldadas pelos afetos, pela subjetividade, por forças involuntárias sobre as quais não sabemos quase nada. Às vezes são totalmente erigidas sob direção disto. O trânsito das memórias pela consciência também é errático, aparecendo e desaparecendo sem que possamos entender com clareza as razões para tais evoluções. Eventualmente somos confrontados com provas de realidade que invalidam nossos registros, por mais que eles nos pareçam fidedignos. Isto é desconcertante.

A estória que dá corpo ao romance tem aparência muito simples, mas atentamente lida revela o labirinto e a instabilidade da identidade e da história de cada um. Sugere que há que se aceitar o muito de suposição e especulação compreensiva sobre os fatos que se toma por verdadeiros e irrefutáveis nas biografias. Uma relação amorosa, os vínculos entre amigos, tragédias visíveis e invisíveis, entre muitas possibilidades, tornam-se matéria básica para um tipo de ficção que assume a função de realidade. A ficção de cada um sobre si mesmo e sobre seu universo exterior. Neste livro, viajamos interessados na busca de significados para sua vida empreendida por Tony Webster, o protagonista. E o autor não nos permite grandes distrações no percurso da leitura, quer-nos atentos. Aponta para o fato de que a capacidade de moldar aquilo que constitui uma pessoa não é passível do controle que ela acredita ou deseja ter. E tendemos a nos distrair quanto a isto.

Há um convite ou um desafio para que se tenha uma atitude honesta e corajosa na revisão do que se é e do que são os outros. O escritor sugere que é obrigatória a assunção de um tipo de humildade imprescindível para aceitar que viver implica incertezas infindáveis. E nisto uma espécie de capacitação para a conformidade com o que é mais verdadeiro e digno de ser afirmado. Para que se siga melhor até o fim que a cada um cabe. Com autenticidade. E alguma liberdade.

Título da Obra: O SENTIDO DE UM FIM
Autor: JULIAN BARNES
Tradução: LÉA VIVEIROS DE CASTRO
Editora: ROCCO

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