BICHOS

Muitos de nós amamos os animais. Inclusive os humanos. O escritor português Miguel Torga (São Martinho de Anta, 1907 – Coimbra, 1995) publicou em 1940 um livro de contos habitado por “uma pequena Arca-de-Noé”. Um conjunto de quatorze joias literárias com o título de “Bichos”.
A unidade do livro se dá na poética reflexão sobre o pertencimento inescapável do homem à Natureza. Ela não é dele, mas sim ele Dela. Pardais, gatos, cachorros, sapos, cigarras e touros, além do próprio ser humano, trazem à cena a dimensões do universo que contém a vida. Torga convida a refletir sobre diversidade dos seres vivos, assim como um tipo de comunhão entre eles. Seu olhar é amoroso. Numa visão talvez próxima da de Spinoza sobre as forças que regem a vida e sugerem aos animais mais racionais um tipo de humildade, especialmente lembrando-os que são sempre parte de um todo. As estórias são tecidas principalmente através da relação entre o bicho racional e o bicho irracional ou o animal humano e os outros, mas eventualmente também entre os humanos. A animalidade está profundamente entranhada em todos. Necessidades e gozos parecem ser essencialmente aparentados em toda esta bendita fauna. Merecem o mesmo respeito e reverência. Nada de La Fontaine, nada de Esopo. Só a beleza que a força da razão pode, humildemente, extrair ou construir a partir dos fenômenos “naturais”.
Miguel Torga é o pseudônimo literário de Adolfo Correia Rocha. O prenome adotado liga-o a Cervantes e Unamuno e o sobrenome Torga coincide com o de uma raiz comum na região de que era originário. Talvez uma dupla homenagem, ao pensamento humanista e a sua terra. Médico transmontano, interessado especialmente pela vida das pessoas nas aldeias portuguesas onde o ônus do viver é traduzido em bonitos linguajares, comoventes pela sinceridade e afetividade um tanto rústicas. Homem culto e sensível, foi refinado o suficiente para compreender a real proximidade entre pessoas formalmente educadas ou privilegiadas pelo conforto do dinheiro mais abundante e aquelas que pouca escola tiveram e que não puderam se livrar de certas batalhas pela sobrevivência e carências de toda a ordem. O modo terno, quase lírico, de descrever as agruras e felicidades dos seres vivos enquanto “elementos” irmanados da Natureza aparece em eventos prosaicos.
Cada conto é uma comemoração da vida. Um modo de lembrar de toda a beleza que ela pode ter, mesmo não sendo perfeita ou, às vezes, sendo muito imperfeita. Uma lembrança de que vale falar sobre o que se vive, compartilhar o que se sente e pensa, estar-se junto com outros quando pode parecer melhor o recolhimento. Ouvir e dizer. Numa de suas belas frases, Torga ensina que “A gente também vive de boas palavras.”.
Título da Obra: BICHOS
Autor: MIGUEL TORGA
Editora: LEYA (Portugal)
peixe

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